Agroecologia uma ciência, prática e movimento em defesa da vida
No Brasil, 03 de outubro é comemorado o Dia Nacional da Agroecologia. Esta data foi instituída pelo Congresso Nacional em 2014, como uma forma de homenagear Ana Maria Primavesi, pioneira nos estudos da Agroecologia e principal referência no manejo ecológico do solo e cuidado com a vida no solo, além de ser crítica ao modelo de agricultura industrial.
As primeiras referências científicas da Agroecologia surgem no início do século XX, com a aplicação dos conceitos ecológicos nos sistemas de produção agrícola. Porém, nesse período se priorizou a agricultura química, com o solo tido apenas como uma estrutura que recebe elementos químicos, pressupostos que vão fundamentar as bases da Revolução Verde. Que se espalha pelo mundo e chega ao Brasil após os anos 60 e 70, com a chamada modernização conservadora e dolorosa que expulsou muita gente do campo e impossibilitou muitos de continuarem seu modo de agricultura tradicional.
É nesse contexto, que as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) começam um processo de conscientização sobre as questões sociais e produção ecológica, Reforma Agrária, o que corresponde ao início do movimento agroecológico no Brasil. O debate sobre os impactos da agricultura moderna também ocorre nas universidades, com os grupos de estudo e da realização dos Encontros Brasileiros de Agroecologia (EBAs).
Existem duas grandes instâncias que debatem e constroem a Agroecologia e os temas transversais associados. A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), criada em 2002 durante o Encontro Nacional de Agroecologia (ENA). E a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), criada em 2004 durante o II Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA), que promove a construção e divulgação do conhecimento agroecológico entre estudantes, professores, agricultores camponeses e demais comunidades e povos tradicionais.
A Agroecologia enquanto prática, é considerada tão antiga quanto a própria história da agricultura, quando os primeiros seres humanos, em especial as mulheres começaram a observar que poderiam cultivar as plantas através das sementes e outras estruturas, e assim foram selecionando e melhorando as espécies. Ao longo de milhares de anos os povos foram praticando a agricultura de acordo com cada realidade, construindo práticas e saberes e mantendo uma imensa agrobiodiversidade.
Apesar dos impactos resultantes da implantação da agricultura moderna, houve uma forte resistência dos povos e comunidades tradicionais, camponeses, com destaque para o papel das mulheres na manutenção e multiplicação das sementes crioulas e na partilha dos conhecimentos com as próximas gerações. O que tem fortalecido esse processo é a construção do conhecimento científico a partir de uma outra perspectiva, com a valorização dos conhecimentos tradicionais através do diálogo de saberes.
Isso foi possível porque houve pelos governos progressistas apoio e promoção da Agroecologia, com a criação de cursos técnicos, de graduação e pós-graduação, assistência técnica, investimentos em políticas públicas, como a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), incentivo à produção e comercialização de alimentos agroecológicos.
Apesar dos avanços, nos últimos anos estamos passando por muitos retrocessos, que se configura num intenso ataque à vida como um todo, aos camponeses e povos e comunidades tradicionais, liberação desenfreada de agrotóxicos, flexibilização das legislações ambientais, desmonte generalizado das políticas públicas.
Além disso, ressaltamos o aumento da violência no campo e da violência contra as mulheres, com vários casos de feminicídios. Enquanto Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), repudiamos e denunciamos todas as formas de violência contra as mulheres, recentemente foi publicado um manifesto sobre (https://mmcbrasil.org/manifesto-das-camponesas-contra-a-violencia-e-os-feminicidios/). Pois, acreditamos que não é possível falar em Agroecologia onde tenha desigualdade e violência. Assim, buscamos construir novas relações de gênero, livres de qualquer forma de violência.
Portanto, vivenciamos um período de resistência ativa e também de fortalecimento da solidariedade, combatendo todas as formas de violência, seguimos resistindo desde nossos territórios, com nossos modos de vida, com nossas diversas agriculturas, construindo soberania alimentar através das práticas agroecológicas, resgatando e multiplicando as sementes crioulas.
A Agroecologia a partir do olhar das camponesas
A Agroecologia é praticada pelo MMC desde sua origem, considerando, que a produção diversificada é um dos princípios da Agroecologia, e, é uma prática comum no fazer cotidiano das camponesas. Para o MMC a Agroecologia é prática, é movimento, é luta central!
O MMC sempre esteve presente nas lutas por políticas públicas para a Agroecologia, a partir do olhar holístico das mulheres camponesas sobre Agroecologia.
A Campanha Internacional “Sementes patrimônio dos povos a serviço da humanidade” lançada pela Via Campesina em 2002, teve participação importante no MMC desde sua construção até sua implementação no Brasil.
Em março de 2007, o MMC lançou a Campanha Nacional pela Produção de Alimentos Saudáveis com o objetivo de dar visibilidade a produção de alimentos saudáveis e diversificados feita pelas mulheres. Enquanto MMC propusemos um novo projeto de desenvolvimento para avançarmos na luta por soberania alimentar e agroecologia, tendo como centralidade a defesa da vida.
Com objetivo de fortalecer ainda mais o projeto de agricultura camponesa agroecológica feminista, e o resgate e multiplicação das sementes crioulas, dando visibilidade do trabalho das mulheres nos quintais, hortas e roçados, com a produção de alimentos saudáveis para o combate da fome e preservação da biodiversidade e dos biomas. Em março de 2020, foi lançada a Campanha Nacional Sementes da Resistência: camponesas semeando esperança, tecendo transformação.
A Campanha motivou as bases para a produção de alimentos saudáveis, principalmente neste período tão difícil e doloroso que foi a pandemia. Durante o isolamento social, que também foi produtivo, nós continuamos o resgate e multiplicação das sementes crioulas, com a produção de alimentos saudáveis e diversificados para o autossustento, geração de renda e ações de solidariedade. Também neste período através da Campanha das Sementes, que o MMC realizou diversas formações virtuais, elaboração de materiais didáticos, vídeos, o que ajudou a animar as companheiras na produção e no resgate das sementes.
Continuaremos resistindo e lutando em defesa da democracia, por um projeto popular e soberano para o Brasil e por políticas públicas para o fortalecimento da Agroecologia e dos modos de vida dos povos do campo, das águas e das florestas e suas diversas agriculturas, para que possamos ter condições de produzir alimentos saudáveis para o povo brasileiro. Estreitando sempre a aliança entre campo e cidade, tendo como elo o alimento saudável.
Fortalecer a luta em defesa da vida, todos os dias!!!!!
Referências consultadas
BRASIL, Câmara dos deputados. Câmara institui 3 de outubro como Dia Nacional da Agroecologia. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/439176-camara-institui-3-de-outubro-como-dia-nacional-da-agroecologia/ Acesso em: 21 de setembro de 2022.
GOMES, J. C. C.; ASSIS, W. S. Agroecologia: princípios e reflexões conceituais. Brasília, DF: Embrapa, 2013.
GUHUR, D.; SILVA, N. R. Agroecologia. In: Dicionário da agroecologia e educação. Alexandre Pessoa Dias et al. São Paulo: Expressão Popular: Rio de Janeiro: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, 2021. p. 59-73.
MOREIRA, R. M.; CARMO, M. S. Agroecologia na Construção do Desenvolvimento Rural Sustentável. Agric. São Paulo, São Paulo, v. 51, n. 2, p. 37-56, jul./dez. 2004.
Texto escrito por: Ana Claudia Rauber e Sandra Marli da Rocha Rodrigues