“As opções diante da humanidade são um futuro
livre de venenos para salvar as abelhas, os agricultores e
as agricultoras, a nossa comida e a humanidade.”
Vandana Shiva
No vai e vem de uma manhã ensolarada, com a cantoria da passarinhada. As abelhas animadas, passeiam de flor em flor coletando néctar e pólen. Levam água prá refrescar a colmeia. Das plantas também extraem resinas para proteção. Apis, mamangavas, uruçus, irapuás, mandaçaias, mirins, jataís, tubunas, borás…são mais de 20.000 espécies, de diversos tamanhos e colorações, solitárias ou sociais, com ou sem ferrão.
Nas florestas, agroflorestas, nos quintais produtivos, nas hortas e roças agroecológicas a vida segue assim: em harmonia, humanos, plantas, animais numa perfeita sintonia, isso é a co-evolução. Camponesas cuidam das flores, com os princípios da Agroecologia e através das sementes crioulas que possibilitam toda uma diversidade de produção. E as abelhas contribuem com a polinização.
Estima-se que 73% das espécies vegetais dependem das abelhas para polinização, e metade das plantas cultivadas são polinizadas pelas abelhas. Produzindo frutos maiores, perfeitos e mais saborosos, garantindo a disponibilidade de alimentos, e contribuindo com a soberania alimentar.
Porém, esse equilíbrio é rompido pela poluição. São fabricados pesticidas, agrotóxicos numa tal de revolução. A chamada revolução verde, que trouxe morte e destruição. Com o desmatamento que destrói os abrigos das abelhas e contamina as fontes de água e alimentação.
Por causa deste modelo de “desenvolvimento”, que no campo se apresenta na forma do agronegócio, as abelhas estão ameaçadas de extinção. Pela acumulação e concentração de riquezas, crescimento infinito num planeta que é finito. O distúrbio do colapso das colônias tem causado o desaparecimento de populações de abelhas no mundo inteiro. Muitos são os fatores que impactam na vida das abelhas: desmatamento, doenças, agrotóxicos, transgênicos, alteração na temperatura decorrente da crise climática.
No Brasil, os últimos anos tem sido um verdadeiro desastre. Com o aumento desenfreado do desmatamento e as queimadas em todos os biomas, mas principalmente no Cerrado, Pantanal e Amazônia. Além da liberação de um grande número de agrotóxicos, num cenário em que o país já estava no topo de maior consumidor de agrotóxicos, sendo muitos proibidos em outros países pela alta toxicidade.
E o que já estava ruim, tende a piorar, no início deste ano foi aprovado na Câmara Federal o Projeto de Lei (PL 6.299), que segue para votação no Senado. O Pacote do Veneno representa um grande retrocesso para a saúde coletiva, a produção de alimentos saudáveis e preservação da biodiversidade. O PL retira as atribuições da ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) para licenciamento dos agrotóxicos, e aumenta as competências do MAPA (Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento), o que flexibiliza a liberação, dificulta a avaliação e o controle.
Pesquisas concluem que pelo menos 87 tipos de agrotóxicos impactam as abelhas, dentre inseticidas, fungicidas e herbicidas. Os principais efeitos são: malformações e deficiências no crescimento, enfraquecimento do sistema imunológico, distúrbios alimentares e dificuldade no reconhecimento das flores e desorientação espacial que dificulta retornar a colmeia.
Herbicidas a base de glifosato (um dos mais utilizados) também afetam as abelhas, diretamente eliminando a flora, sua fonte de alimento. Mas também alteram o comportamento, reduzem o aprendizado olfativo e a retenção da memória, alteram a microbiota intestinal e tornam as abelhas mais suscetíveis às doenças.
Portanto, tanto as abelhas (e a biodiversidade como um todo), como o modo de vida das camponesas (a produção de alimentos saudáveis), e demais povos e comunidades do campo, das águas e das florestas, são fortemente impactados por esse perverso modo de consumo e produção capitalista.
Referências consultadas:
Montenegro, M.; Simoni, J. (orgs.). Atlas dos insetos: fatos e dados sobre as espécies mais numerosas da Terra. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2021.
Rossi, E.M; Melgarejo, L; Souza, M. M. O.; Ferrer, G; Talga, D. O; Barcelos, R. O.; Cabaleiro, F. Abelhas & Agrotóxicos: Compilação sobre as evidências científicas dos impactos dos agrotóxicos sobre as abelhas – Petição perante a Relatoria DESCA da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. 29 de Maio de 2020.
Porto, M. F. S. O trágico Pacote do Veneno: lições para a sociedade e a Saúde Coletiva. Cad. Saúde Pública 2018.