Chegou a hora de abrir um horizonte no qual a pluralidade dos indígenas e os seus direitos originários sejam reconhecidos definitivamente. A CNBB reafirmou a necessidade de salvaguardar os territórios e os direitos dos povos da Amazónia, "corrigindo os erros e prevenindo as mortes".
Numa nota, "Em defesa dos direitos dos povos indígenas", os bispos manifestaram a sua preocupação e dissensão a propósito da portaria n. 303, em vigor a partir de 25 de Setembro, emitida pela Advocacia Geral da União (AGU), organismo introduzido pela Constituição de 1988, que exerce uma das funções essenciais da justiça inclusive no contexto ambiental.
"Com o projecto de lei 1610/1996 e com as emendas constitucionais 215/00 e 038/1999 propostos ao exame da Câmara dos deputados e também do Senado, a portaria – disseram – reflecte uma política que privilegia directamente os interesses de terceiros sobre as terras das comunidades indígenas e camponesas tradicionais. A portaria constitui uma violência contra estas pessoas e uma ameaça para as suas vidas".
Segundo os prelados, a medida da AGU prejudica "os processos de reconhecimento e de delimitação dos territórios tradicionais", facilitando em particular a exploração dos recursos hídricos e dos territórios ricos de jazidas minerais. Com a portaria também se limita, ou até se ofusca, o respeito pelo direito das populações indígenas a serem consultadas sobre os projectos industriais que incluem as suas terras. Além disso, favorece a "demolição" da legitimidade dos direitos dos povos indígenas e a legitimação da desapropriação ilegal das suas terras.
"A portaria da AGU – frisam – ignora o artigo 231 da Constituição federal e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Da mesma forma, confunde os "vínculos" estabelecidos pelo Supremo Tribunal no juízo acerca da "Petição 3388", sobre a delimitação da reserva Raposa Serra do Sol". A portaria 303 seria sinónimo de "vilipêndio aos direitos invioláveis dos irmãos índios" e não considera um dado histórico relevante: "desde que o Estado nacional foi instituído, estas populações já viviam em terras brasileiras".
Além disso, a medida provocou ulteriormente o aumento da violência contra a população indígena do país e, "só neste ano, foram registrados os assassinatos de trinta dos seus líderes". Enfim, "a vergonhosa dívida social que o Brasil acumulou em relação às populações indígenas no arco da sua história, infelizmente está a aumentar no tempo presente".
A CNBB pediu ao Governo federal e aos procuradores da AGU que revoguem, com solicitude, a portaria 303 antes que entre em vigor. Desta forma, impedir-se-á que "perdure a injustiça contra os povos indígenas". No final da nota, os prelados invocaram "o Senhor de todos os povos" a fim de que inspire a comunidade do país e, em particular, os responsáveis pelo Estado a "estilos de vida sensíveis ao acolhimento do outro, à justiça e à paz".
Os bispos expressaram-se já no passado mês de Abril, com um vibrante pronunciamento em defesa dos territórios e dos direitos das populações indígenas, dos Quilombolas, dos pescadores e de outros povos tradicionais. No documento, deploraram profundamente "o adiamento do processo administrativo da demarcação", e a invasão e a exploração das terras dos povos tradicionais. Em particular o texto chamava a atenção para as condições de discriminação e os assassinatos dos quais o povo Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, é vítima. Segundo os bispos, estamos diante de um "verdadeiro genocídio" que mancha a imagem do Brasil como país que defende os direitos humanos. "Repudiamos com veemência – lê-se no documento – o ataque aos direitos dos povos indígenas, considerados na nossa Constituição, desencadeado pelo grupo ruralista e por outros segmentos do Congresso nacional, através do projecto de modificação constitucional 215/2000".
Paralelamente à apresentação do documento, o presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), D. Enemésio Ângelo Lazzaris, bispo de Balsas, declarou que grandes obras como a construção de diques e de plataformas para a exploração de recursos minerais, têm um grande impacto sobre estas comunidades e acabam por expulsá-las dos seus territórios. Segundo D. Lazzaris o território representa mais do que a própria terra, é uma relação que se constrói com o lugar onde se vive, "onde os antepassados viveram, cresceram e formaram as famílias". Recentemente o presidente da Comissão episcopal para a Amazónia, cardeal Cláudio Hummes, evidenciou que "a região desempenha um papel específico no contexto mundial" e por isso a população local deveria ser ouvida em primeiro lugar sobre as questões que a envolvem directamente. Os indígenas "deveriam decidir o que é importante para eles. Mas as suas terras são invadidas e os seus direitos não são respeitados".
L'Osservatore Romano, 15 de Setembro de 2012
Solidariedade às vítimas do escalpelamentoDesde 1970, quando os motores a combustão chegaram à Amazônia e começaram a ser instalados nos barcos, é que se têm registros de acidentes nos quais mulheres, principalmente crianças, perdem parte ou completamente o couro cabeludo, às vezes orelhas e pele do pescoço e rosto. São mais de 1.500 acidentes desde então, e ainda são registrados em média dois acidentes por mês na foz do Rio Amazonas. A maioria das ocorrências é nos estados do Para, Amapá, Amazonas e Rondônia, porém é provável que aconteçam casos em qualquer cidade litorânea ou ribeirinha onde se usam barcos com motor adaptado.
Sabemos que em nossos rios e igarapés, o meio de transporte são os barcos, canoas, rabetas, voadeiras… e estas quase nunca têm seus motores e eixos cobertos, facilitando assim graves acidentes; e como a presença e fiscalização do estado quase não existe, grande parte dos barqueiros não tem responsabilidade com as pessoas que transportam.
Em 2007, a deputada federal Janete Capiberibe, do PSB do Amapá, criou um projeto que virou a Lei 11.970/2009, que obriga a todas as embarcações terem os volantes e eixos dos motores cobertos. Foi sancionada em 2009, portanto é LEI que vale em todo o país. Em campanhas feitas junto com a Marinha foram cobertos cerca de mil volantes e eixos dos barcos, mas ainda são muitos milhares que navegam ameaçando a saúde das meninas e mulheres.
Decidi raspar minha cabeça há muito tempo, quando completasse 50 anos. Por uma discussão, provocação, quebra de paradigma, de preconceitos de uma sociedade que estabelece padrões de beleza, idade… Então conheci a dura realidade das vítimas do escalpelamento que, em sua maioria, são mulheres e crianças. Isto mexeu muito comigo pois, se corto meus cabelos eles irão crescer, porém estas mulheres não terão a mesma sorte e seu sofrimento vai desde chegar em um hospital, que na sua maioria é distante, inviabilizando um tratamento, cirurgias para repor a pele, preconceito e exclusão social, mas cabelos nunca mais.
Podemos, no entanto, fazer nossa parte. Podemos doar nossas belas madeixas para fazerem perucas e assim contribuir com a autoestima das vitimas. Meus cabelos já foram cortados, como vocês podem ver nas fotos, e doados para a Associação das Mulheres Vítimas de Escalpelamentos, que já foram organizadas no Amapá e no Pará.
Existe uma grande campanha em vários estados para doação de cabelos. As mulheres vítimas têm se organizado através da Associação das Mulheres Ribeirinhas Vítimas de Escalpelamentos, onde recebem os cabelos doados e fazem as perucas. Aqui em Brasília, na cidade do Guará II, o salão da Dona Vannylza aderiu à campanha. O exemplo também pode servir às companheiras de todo o país.
Vamos fazer a nossa parte doando os cabelos, mas também exigindo dos barqueiros que ainda não cumprem a Lei que cubram o volante e o eixo dos motores dos barcos. Duas ou três tábuas de madeira podem resolver. Eles também podem procurar as Capitanias da Marinha para que sejam instaladas as carenagens durante as campanhas de prevenção aos acidentes. Se os barqueiros não cumprem a Lei, as embarcações e os pilotos podem ser retidos.
Grande abraço,
Rosangela Cordeiro
O lugar que almejamos é a terra onde os humanos ainda são tão perigosos quanto divinos,
onde o que é derrubado cresce de novo, e onde os ramos das árvores mais velhas florescem por mais tempo.
A mulher oculta conhece este lugar.
Ela conhece. E você também.
Clarissa P. Estés