O Grupo de Trabalho Mulheres da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) lançou, na última quinta-feira (12), uma edição especial da série “Cadernos de Agroecologia”, abordando “Convergências e divergências: mulheres, feminismos e agroecologia”. Fruto de um trabalho que se estendeu a partir do evento de mesmo nome, realizado em março, os anais reúnem 68 textos.
São ensaios, artigos e transcrições de falas assinados por mais de 120 autoras e autores, cujas reflexões agregam os feminismos, a luta contra a LGBTfobia, a produção de alimentos, o antirracismo de forma interseccional, propiciando avanços e novos olhares no campo agroecológico, compartilhados por pesquisadoras e pesquisadores de diversos territórios e com grande diversidade de vivências.
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Conforme definem as organizadoras, o evento e a publicação são comprometidos com a “valorização e fortalecimento das mulheres em sua diversidade e com o processo verdadeiramente antirracista”. Mobilizam mulheres que se dedicam “a pensar e realizar estratégias de luta contra a exclusão e o racismo epistêmico”, assim construindo espaços para compartilhar diferentes saberes, visões e conceitos fundamentais para a para construção da agroecologia transformadora em que acreditam.
Vivian Delfino Motta, co-coordenadora do Grupo de Trabalho, explicou que a publicação demarca os 10 anos do GT, mas muito mais do que isso, é “um sonho que sonhamos juntas, é uma publicação coletiva em todos os sentidos”. Explicou ainda que o objetivo principal é justamente construir espaços de socialização e visibilidade do conhecimento. “Todas nós estávamos compartilhando a dificuldade que é colocar nossas construções nas publicações mais cartesianas, um tanto quanto machistas, então tentamos construir uma publicação que fosse diferente.”
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No mesmo sentido a vice-presidenta da ABA, Fernanda Savicki de Almeida, aponta a edição especial como um marco nas publicações da associação. “Essas mulheres maravilhosas ousaram construir um novo olhar para as publicações científicas, muito mais próximo da ciência que nós acreditamos e que nós construímos na ABA Agreocologia, uma ciência plural, diversa e principalmente acessível”, explica.
Proposta surgiu dentro da jornada de lutas
A apresentação da publicação afirma a agroecologia enquanto ciência, prática e movimento, tendo um grande potencial para contribuir na luta e na defesa por uma sociedade mais justa e igualitária. Ao mesmo tempo questiona: “quais são as divergências e convergências existentes hoje entre os feminismos e a agroecologia? Até onde conseguimos avançar e quais desafios ainda temos pela frente?”
Justamente para aprofundar essa reflexão foi realizado o evento de março, em formato virtual, intitulado “Convergências e Divergências: Mulheres, Feminismos e Agroecologia”. O encontro fez parte das ações da Jornada de Lutas e teve como objetivo promover um ciclo de debates para compreender, de forma interdisciplinar, a atuação das mulheres nos diversos espaços, observando como as crises atuais, somadas à pandemia provocada pela covid-19, impactam direta e indiretamente as suas vidas.
Entre as autoras que participaram da transmissão que demarcou o lançamento da publicação, Domênica Rodrigues destacou a felicidade pelo GT de ter sido insurgente na hora de pensar a escrita do textos. “Esse caderno foge do padrão de tudo o que já foi construído, conseguimos enxergar isso em todas as construções, que estamos aqui fazendo Agroecologia e queremos muito que este espaço não seja apenas respeitado, mas que ele seja também visibilizado.”
A insurgência, para ela, surge a partir do momento que “nos colocamos no mundo enquanto mulheres, porque assumir o nosso lugar no mundo é ser insurgente, estar aqui é um espaço de poder, é um espaço de revolução”. Reafirmando a independência da publicação, Domênica arremata destacando a fuga aos padrões, que constrói um legado expresso em linguagem mais acessível, não violenta e amorosa.
Publicação reflete a história e representa pautas atuais
Nos últimos meses, a pandemia do novo coronavírus explicitou um problema estrutural que é vivenciado há muito tempo: as desigualdades sociais afetam principalmente as mulheres e as pessoas negras e pobres. Essas desigualdades se sobrepõem e se intensificam e, portanto, além de gênero, é fundamental debater também sobre raça e classe.
“Quem são as mulheres na construção da Agroecologia?”, questiona um dos textos que introduz a publicação. Em um contexto onde tantas vezes é negado às mulheres o direito de ter protagonismo e de fazer parte da memória e da história dos processos dos quais participam, debater sobre feminismos e agroecologias se mostra muito mais profundo e necessário do que já se fazia possível imaginar.
A presidenta da ABA, Islândia Bezerra, registrou que essa edição dos Cadernos Temáticos “é um divisor de águas para pensar de fato, dando concretude ao que sonhamos, ou seja, essa Agroecologia que se pauta numa ciência cidadã, transformadora e libertadora”. Islândia aponta ainda a necessidade de se construir uma ciência que seja de fato inclusiva e essa inclusão não acontece a partir da academia traduzindo os saberes das agricultoras, das pescadoras, das quebradeiras de coco, das extrativistas de modo geral. “Nós precisamos que elas reproduzam esse conhecimento a partir do seu lugar, a partir do lugar que cada uma ocupa.”
Dentro da ABA, o GT Mulheres é um espaço estratégico para visibilização e valorização do trabalho e atuação feminino. A partir dos lemas “Sem Feminismo não há Agroecologia” e “Se tem Racismo não tem Agroecologia”, constrói uma trajetória de lutas, parcerias, conquistas e afetos. Em 2021 o GT celebra 10 anos de atuação, trilhando os caminhos do feminismo, agregando mulheres de todo o país e articulando-se com outros grupos para avançar nas lutas contra o patriarcado, contra as opressões de gênero e contra o racismo.
Caderno temático já está disponível, com acesso livre
Os textos organizados pelo GT de Mulheres da ABA estão disponíveis, assim como a gravação do evento de lançamento da publicação, e podem ser acessados pelos links disponibilizados ao final desta matéria.
Maria Virginia de Almeida Aguiar, Editora Geral dos Cadernos de Agroecologia da ABA, no editorial da publicação, afirma que “com esta publicação espera-se contribuir com o aprofundamento da compreensão sobre agroecologia e feminismos no Brasil a partir de uma abordagem interseccional de raça, gênero e classe na agroecologia, revelando ainda mais o papel transformador das mulheres na nossa sociedade, ainda mais em um contexto de pandemia que perdura de forma trágica há mais de um ano”.
Além das integrantes do GT Mulheres da ABA, participam da construção do evento e da publicação coletivos ligados ao Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), da Sempreviva Organização Feminista (SOF), do Núcleo de Estudos Jurema (UFRPE), do GT de Mulheres da Articulação Nacional da Agroecologia (ANA), da Alianza de Mujeres en Agroecología (AMA-AWA), entre outras que, valorizando a sua pluralidade, constroem e fortalecem a Agroecologia a partir da luta por uma outra ciência.
Acesse os Cadernos de Agroecologia da ABA: CLIQUE AQUI
Assista à gravação do evento de lançamento: CLIQUE AQUI
*Com informações dos textos Editorial e Apresentação da publicação “Convergências e divergências: mulheres, feminismos e agroecologia”.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Marcelo Ferreira