Propostas construídas pelas organizações populares do campo podem evitar o desabastecimento de alimentos no país
Já adiada por duas vezes, está prevista para a próxima terça-feira, 7, a votação do chamado Projeto de Lei Emergencial da Agricultura Familiar, o PL 735/2020, na Câmara dos Deputados. De acordo com organizações populares do campo que construíram propostas para garantir recursos para a produção, o PL define o futuro a curto, médio e longo prazos da agricultura familiar e camponesa, incidindo diretamente sobre a garantia de abastecimento de alimentos saudáveis e diversificados para o povo brasileiro.
Estudos com base em dados oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e outras instituições já dão conta de que os estoques médios de alguns alimentos no Brasil estão aquém do índice mínimo de segurança alimentar necessário para o país, que gira em torno de 20% do consumo anual. “Corremos, então, um risco real de, nos próximos meses, caso não haja políticas públicas consistentes, direcionadas à agricultura familiar, que produz a maior parte dos alimentos que a gente consome, termos o preço da comida subindo e o desabastecimento de alguns itens e mercados. Não quer dizer que haverá prateleiras vazias, mas alguns itens podem começar a faltar se não houver estímulo à produção da agricultura familiar, então, políticas públicas são importantes”, defende Denis Monteiro, agrônomo e secretário executivo da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).
A pandemia, somada a crise econômica, causa uma vulnerabilidade acentuada do abastecimento alimentar provocada principalmente pela inflação da comida, que afeta principalmente, as famílias mais pobres. Segundo o IBGE, o IPCA Geral, no acumulado do período de janeiro/abril deste ano, variou 0,22% e o da “alimentação no domicílio” variou 3,94%, ou 18 vezes mais que o índice geral. Em alguns alimentos, ressalva para a sazonalidade da produção, por exemplo a cenoura: o preço pago pelo consumidor final chegou a ser 441 vezes maior que o IPCA Geral. O tomate, a batata, o feijão e a banana, que estão na dieta principal das famílias brasileiras, tiveram um salto de 52%, 42%, 23% e 20%, respectivamente, no preço pago pelo consumidor. E se não houverem medidas de fortalecimento para a produção de alimentos, a probabilidade é que a inflação continue a aumentar.
Garantir soberania, segurança alimentar e nutricional e evitar a volta ao mapa da fome
As representações da agricultura familiar e camponesa, responsável por 70% dos alimentos que chegam às mesas, alertam para a necessidade de que todas as pautas encaminhadas e que faziam parte de outros PLs que tramitaram paralelamente na Câmara, a exemplo do PL 886, um dos mais completos sobre a matéria, sejam incluídas no relatório final do PL 735, sob responsabilidade do Deputado Zé Silva (Solidariedade – MG). Em leitura preliminar do relatório, segundo Alexandre Henrique Pires, da coordenação executiva nacional da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), faltam medidas duradouras de combate à crise.
Dentre as propostas não contempladas pelo relator estão os recursos específicos para a construção de cisternas no semiárido, região conhecida pela escassez de água e onde se concentra a metade das unidades produtivas classificadas como da agricultura familiar. “Defender o Programa Cisternas é defender a demanda que a gente ainda tem de 350 mil famílias que não têm acesso à água para consumo humano no Semiárido e mais de 800 mil famílias que ainda aguardam as tecnologias de armazenamento de água para a produção de alimentos”, lembrou Alexandre.
Corte nos valores do PAA-Emergencial atinge escoamento e distribuição de alimentos
A proposta apresentada até agora no relatório de Zé Silva também desconsiderou verbas para a aquisição de sementes e mudas, além de reduzir em 60% os valores propostos para o Programa de Aquisição de Alimentos Emergencial (PAA-E) e em 50% o recurso proposto para fomento, entre outras exclusões. “O Estado Brasileiro tem facilidade de gastar mais de um trilhão para salvar bancos e coloca dificuldades para salvar milhões da fome, miséria e desemprego apoiando de forma barata a produção de alimentos, renegociando as dúvidas, liberando um PAA emergencial e construindo cisternas. Basta, as camponesas e camponeses já perderam a paciência com essa demora em aprovar esse PL, não queremos caridade, queremos justiça, comida e vida digna” aponta Maria Kazé, camponesa e dirigente do Movimento dos Pequenos Agricultores.
Outra crítica aponta que o relatório apresentado diz que as ações “buscam oferecer condições diferenciadas para as mulheres do campo”, mas só atende aquelas na condição de provedoras de família monoparental, salvo no crédito emergencial. As organizações e movimentos populares do campo propõem suprimir essa condição por ser restritiva ao acesso das mulheres, ficando o abono emergencial proposto nos seguintes patamares: a) R$ 3.000,00, sendo ampliado para R$ 5.000,00 quando do acesso por mulheres agricultoras familiares. “As mulheres são responsáveis por grande parte da diversidade da produção alimentar em seus quintais produtivos, com uma extensa variedade que vai desde frutas e hortaliças aos mais diversos doces, quitutes, queijos, criação de pequenos animais e outros itens que, além de abastecer a família, vão para o comércio direto e feiras locais. As políticas públicas de fomento e créditos seguros precisam valorizar o papel das mulheres na produção”, aponta Rosângela Piovizani, dirigente do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC).