Sobre a importância da sinodalidade e do respeito à diversidade - MMC - Movimento de Mulheres Camponesas

Notícia

Sobre a importância da sinodalidade e do respeito à diversidade

Leia artigo de nossa companheira Laura (Juanita) Lyrio Gonçalves, do MMC no DF e Entorno, publicado também no site na Comissão Brasileira Justiça e Paz, da CNBB.

 

De forma ainda mais intensa durante o mês de dezembro em que celebramos o Natal, nos lembramos com carinho das mensagens e exemplos de nosso querido amigo Jesus e de nossa querida mãe e amiga Maria, cujas histórias inauguraram um novo testamento feito de amor. Assim, escrevemos aqui para tecer e compartilhar uma reflexão sobre o tema da importância da sinodalidade e do respeito à diversidade, como uma mensagem de fé e esperança por novos tempos de amor e sem desigualdades e violências, inspirada por mais um final de semana de reunião da Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), de 02 a 04 de dezembro de 2022.

 

Nós, todas e todos que somos Igreja viva e solidária, atenta aos clamores por justiça e paz que vem das ruas, dos campos, florestas e águas, estamos cultivando este novo tempo de amor onde toda vida tem direito de ser, sem sofrer qualquer discriminação e violência. Assim, cantamos em roda e de mãos dadas pelos frutos da ação coletiva e fraterna: “tu vens, tu vens, eu já escuto os teus sinais!” – como anuncia Alceu Valença.

 

Por meio de uma participação que preza pela não-violência ativa, neste ano que passou, mais uma vez assumimos nosso compromisso com uma cultura de encontro e diálogo, que semeia a unidade na diversidade em muitas iniciativas. Tal como conversamos durante a 10ª Assembleia Nacional dos Organismos do Povo de Deus (ANOPD), sobre a centralidade da sinodalidade, da escuta e diálogo fraterno que constrói as igrejas, espiritualidades e culturas que necessitamos socialmente para sermos felizes. Lembramos na CBJP, entre outros trabalhos, que de 14 a 16 de outubro deste ano, os organismos da Igreja Católica se reuniram para conversar justamente sobre o tema da “Comunhão e Missão: Caminho para a Igreja no Brasil” durante a 10ª ANOPD e esta mensagem está cada vez mais forte em nossos corações: a comunhão como caminho.

 

Isso nos coloca a tarefa de ver e refletir sobre a formação histórica da sociedade brasileira cujas estruturas ainda excluem a maior parte de nossos irmãos e irmãs e, sabendo quem somos e em que situação social estamos, vamos construir nossos passos, nosso agir coletivo. Vemos que perpassamos e ainda lidamos com as consequências de séculos de colonialismo, latifúndios e expropriações dos bens comuns, escravaturas e violências patriarcais e racistas contra os corpos e territórios dos povos indígenas, negros, quilombolas, camponeses e demais comunidades tradicionais.

 

Ademais, vemos nas áreas urbanas, até hoje, também muitas irmãs trabalhadoras e irmãos trabalhadores do Brasil e de outros países, migrantes e refugiados, que não tem terra, teto e trabalho, conforme nos alertou Papa Francisco e vem sendo aprofundado pela VI Semana Socioambiental Brasileira (6SSB). A violência da fome e da insegurança alimentar que abate mais da metade da população é expressão atual desta história e estrutura, como vem trabalhar a Campanha da Fraternidade do ano que vem, sob o lema “Fraternidade e Fome”. Nos colocamos, portanto, no caminho e na missão de superarmos juntos tais contradições históricas e tecer os laços da sinodalidade, respeitando a vida em sua diversidade humana e cultural e em sua biodiversidade nos biomas.

 

Em nossa diversidade somos igualmente humanos, mas experienciamos situações sociais de pobreza e de desigualdades que nos colocam em lugares sociais muito distintos e assimétricos em termos de condições de acesso aos direitos humanos, à cidadania e aos bens comuns. Assim, tempos de amor, justiça, paz e bem viver, conforme aprendemos com Jesus e Maria e com a Economia de Francisco e Clara, requerem que superemos todas as formas de discriminação, desigualdades e violências, a favor e em respeito à diversidade. Jamais o contrário.

 

Estamos vindo em meio a anos difíceis de pandemia, fundamentalismo religioso, negacionismo da ciência e conservadorismo político, que geraram perdas de vidas, rupturas de laços afetivos e, com um encontro entre sinodalidade e diversidade podemos plantar jardins, hortas e pomares por entre as ausências, os vazios e a escassez (socialmente produzida), os quais requerem uma resposta urgente: “Dai-lhes vós mesmos de comer!” (Mt 14,16).

 

Vamos cultivar fé na festa do pão nosso de cada dia por entre os gritos e silêncios que machucaram historicamente o povo brasileiro e a amizade entre os povos, nações e comunidades? Temos muitos bons exemplos de amor entre nós quando vemos as campanhas de nossos organismos, pastorais e movimentos sociais; quando vemos os trabalhos do Padre Julio Lancellotti contra a violência da fome e da indiferença social para com a população em situação de rua; quando olhamos a participação do Padre Assis em encontros inter-religiosos cujas bênçãos não discriminam por qualquer motivo de cor, matriz religiosa, orientação ou identidade; quando olhamos para os trabalhos de Dom Roque em defesa da vida dos povos indígenas em contraponto à cultura do armamento.

 

Aprendemos como são preciosos os momentos em que podemos estar juntos em nossas comunidades, movimentos sociais e famílias, celebrando a saúde, a partilha do pão e das riquezas, a democratização do acesso à terra e à moradia. Uma partilha que assume a defesa da vida como bem maior face às violências dos grandes empreendimentos financeiros e do capital sobre os territórios, conforme aprendemos nos bons exemplos de educação popular, luta e resistência que vem, por exemplo, da Campanha Pelo Limite dos Juros no Brasil, da Campanha contra a Violência no Campo: Em defesa dos Povos do Campo, Florestas e Águas, e da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, entre outras.

 

Para isso é fundamental acolher o direito à diferença sobre o qual nos ensina, por exemplo, Joênia Wapixana em “Povos Indígenas e a Lei dos ‘Brancos’: O direito à diferença”, quando ela diz que “é preciso vencer a visão de que terras indígenas são empecilhos ao desenvolvimento econômico de um Estado ou, por outro lado, objeto de exploração”. (CARVALHO, 2006, p. 86). Muitas são as vezes em que, infelizmente, os povos indígenas e as pessoas em situação de pobreza e de desigualdades foram e são vistas como empecilhos, como desprovidos de saber e de maturidade política, como aqueles para os quais não tem terra, não tem lugar, não tem tempo, não tem recursos, não tem vaga. Visibilizar, escutar, cuidar da vida desumanizada e silenciada é um caminho fundamental para justiça e paz.

 

Conforme se averigua nos últimos Cadernos Conflitos do Campo, organizados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), aumentaram os casos de ameaças, ataques armados e assassinatos contra estes sujeitos sociais e contra as defensoras e defensores dos direitos humanos. Por caminhos de educação popular, organização coletiva e participação social poderemos então ampliar o acesso aos direitos humanos, à cidadania e aos bens comuns até que em nossas relações sociais não perdure mais a cultura do ódio, do medo, das fake news, da instrumentalização da fé, do lawfare, da criminalização ensejada contra os pobres, contra as pessoas em situação de desigualdades e contra os que se posicionam pelo fim de todas as discriminações e explorações.

 

Estamos vendo, pensando e agindo para encantar a política, pela saúde e pela ecologia integral, assim como aprendemos criticamente e poeticamente com Ailton Krenak em “Ideias para adiar o fim do mundo”, que “Devíamos admitir a natureza como uma imensa multidão de formas, incluindo cada pedaço de nós, que somos parte de tudo: 70% de água e um monte de outros materiais que nos compõem. E nós criamos essa abstração de unidade, o homem como medida das coisas, e saímos por aí atropelando tudo, num convencimento geral até que todos aceitem que existe uma humanidade com a qual se identificam, agindo no mundo à nossa disposição, pegando o que a gente quiser. Esse contato com outra possibilidade implica escutar, sentir, cheirar, inspirar, expirar aquelas camadas do que ficou fora da gente como ‘natureza’, mas que por alguma razão ainda se confunde com ela. (…) Os quase-humanos são milhares de pessoas que insistem em ficar fora dessa dança civilizada, da técnica, do controle do planeta. E por dançar uma coreografia estranha são tirados de cena, por epidemias, pobreza, fome, violência dirigida.” (KRENAK, 2022, P. 69-70).

 

Portanto, necessitamos cultivar uma cultura de empatia, gratidão, escuta, diálogo e cuidado, conforme aprendemos com nossas mestras e mestres indígenas, com todas as comunidades do campo, florestas e águas que mantém a Amazônia, o Cerrado e os demais biomas de pé, conforme aprendemos com as palavras e exemplos de Jesus, Maria, Francisco e Clara.

Escrevemos mensagens de amor em contraponto a cada discriminação e violência, alimentando caminhos de sinodalidade verdadeira, que respeita e celebra a diversidade.

Autoras e autores:

– Laura (Juanita) Lyrio Gonçalves – Doutoranda em Ciências Sociais (UnB), educadora popular no Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), membro da CBJP.