Durante a Marcha das Margaridas, que ocorreu em agosto de 2023, em Brasília, composta por diversos Movimentos do campo, entre eles o Movimento de Mulheres Camponesas, o Presidente Luís Inácio Lula da Silva lança o decreto de Lei 11642, de 16 de agosto de 2023, que institui o Programa Quintais Produtivos para Mulheres Rurais. Esse decreto é recebido com grande entusiasmo pelas mulheres camponesas.
O programa tem por objetivo promover a autonomia econômica das mulheres e propõe a estruturação dos quintais produtivos, a articulação das mulheres em grupos ou organizações coletivas. O auxílio no acesso a políticas públicas de apoio à produção e comercialização de alimentos, acesso a equipamentos para estruturação e ou ampliação dos quintais, bem como a implantação de tecnologias sociais de acesso à água.
O Movimento de Mulheres Camponesas, ao longo desses 40 anos de existência, tem feito incansavelmente a luta por políticas públicas para a agricultura camponesa. A produção de alimentos saudáveis e diversificados tem sido pauta constante. Desde os anos 2000, com a organização do Programa de Recuperação, Produção e Melhoramento de Sementes Crioulas de Hortaliças, o lançamento da Campanha Nacional Pela Produção de Alimentos Saudáveis, em 2007, e mais recentemente a Campanha Nacional Sementes de Resistência: camponesas semeando esperança, tecendo transformação, em 2020, tem levado as mulheres a debater sobre o projeto de agricultura que acreditam e defendem.
Nesse processo, a partir de estudos e debates, vão adotando o conceito de Quintais Produtivos desde 2014. Compreende-se por quintal produtivo os pequenos pedaços de terra que comportam o entorno da casa, e se efetiva no permanente trabalho de recuperação, produção e melhoramento de sementes crioulas, plantas e ervas medicinais, frutíferas, nativas, flores e animais para o autossustento. É neste trabalho feito e coordenado pela mulher que se encontra grande diversidade de alimentos, saberes, conhecimentos de combinar e consorciar com arte e beleza o cultivo da biodiversidade.
No 8 de março deste ano, em pauta entregue em diversos órgãos do Governo Federal, o MMC apontou para a necessidade de crédito subsidiado para a produção de alimentos saudáveis e diversificados e o fortalecimento dos quintais produtivos. O Programa Quintais Produtivos vem ao encontro da luta das mulheres camponesas, no entanto segue tendo os limites da burocratização para que possa ser acessado. Os recursos disponibilizados também seguem sendo insuficientes para atender a demanda das mulheres do campo, das florestas e das águas desse país, e, nesse momento tem exigido a articulação das organizações para a garantia do acesso às mulheres. Conforme podemos perceber, a luta somada à organização e formação foi e continua sendo fundamental para a conquista de direitos, mas ela não pode parar.
Fortalecer a luta em defesa da vida! Todos os dias!
Noeli Welter Taborda
Direção Nacional do MMC
Entrelaços das camponesas: relembrando trajetórias
Aproveitando as comemorações dos 40 anos do Movimento de Mulheres Camponesas, trago esse relato de um dia de campo com as companheiras do Planalto Norte catarinense. Nesse dia houve a troca de saberes, mudas e sementes e diálogo sobre como as companheiras se conheceram e ingressaram no MMC, quais os momentos marcantes dessa trajetória e quais as mudanças que o Movimento trouxe para suas vidas.
Dona Marilda reside em Itaiópolis, é agricultora e participa da Rede Ecovida. Produz alimentos saudáveis de forma agroecológica. Sempre participou da Igreja, era catequista, participava da evangelização, das leituras, dos grupos bíblicos de reflexão e das pastorais. Conta que a Irmã Lourdes e a Irmã Jandira auxiliavam as mulheres na organização, trazendo notícias sobre as formações e encontros. O primeiro no qual ela participou foi no Centro Vianei de Educação Popular, em 1989-1990. A Igreja fretou uma kombi para que as mulheres pudessem participar dos encontros, e outras vezes elas iam até o município ao lado, Mafra, onde as mulheres se reuniam e iam para Chapecó.
Tereza e Judith são exemplos de dedicação e estudo
Dona Tereza nasceu no Butiá dos Tabordas, hoje Campina Konkel, em Mafra. Camponesa, produz alimentos agroecológicos em seu quintal produtivo, realiza encontros e ações em sua propriedade, faz xaropes com ervas medicinais para a comunidade e diversas receitas com os alimentos produzidos, utilizando frutos, folhas e caules. Sempre próxima da Igreja, participando das pastorais, conheceu e ingressou no MMC.
Dona Judith nasceu na comunidade Turvo, ainda hoje é a comunidade que reside e que mudou o nome para General Brito, em Mafra. Relembra: “Eu era malandra, puladeira de cerca, pior que piá, diziam que era porque eu tomava leite de cabrita, a mãe vendia o leite pra remédio”. Dona Judith produz de forma agroecológica em seu quintal produtivo, além de fazer remédios e pomadas com ervas medicinais. Durante a sua vida foi professora, é referência para a sua comunidade. Ela conta: “Sempre fui procurada pra fazer muita coisa, até parto já fiz, lavar defunto, tinha que se mexer, tudo era Judite, o pai e Deus me davam coragem”. Aposentou-se como professora. Ao longo de sua vida, ingressou na Pastoral da Saúde, assim conheceu Dona Tereza, e foi para o MMC.
As camponesas do planalto norte entraram no Movimento em épocas diferentes. Dona Tereza soube das reuniões através das pastorais da igreja que participava, começou a ir e chamou Dona Judite. Juntas elas convidaram outras mulheres. “Já semeamos algumas sementes boas, se vamos colher não sei”, contam elas. As camponesas se conheciam através das pastorais da igreja, mas nunca tiveram tanta aproximação, já no Movimento se tornaram companheiras, irmãs, como elas mesmas ressaltam, participando dos eventos em Chapecó, das campanhas que o Movimento lança. Nesses encontros, elas se aproximaram de Dona Marilda, que já era conhecida, pois também fazia parte das pastorais, e era amiga dos familiares de Dona Tereza.
O que marcou sua vida no Movimento?
Dona Marilda diz que foi quando foram até Brasília para falar sobre as demandas do Movimento, sobre a aposentadoria da mulher rural, a licença maternidade, os documentos. Ela resgata histórias que já tinha me contado, de como as mulheres se organizavam.
Ao final da nossa conversa, perguntei a elas sobre as mudanças que o Movimento trouxe para suas vidas. Os olhos brilhavam e elas riram lembrando dos momentos desde o início do Movimento, falaram que eram muitas mudanças que o MMC causou em suas vidas, mas destacaram que “mudou a visão sobre plantas”, “aprender a preservar, guardar as sementes, reproduzir e fazer a troca de sementes”, “aprendi mais sobre agroecologia”. Durante as falas elas frisaram bastante a importância da sua fé em Deus.
Finalizamos o encontro na propriedade de Dona Tereza, que foi recebida por seus filhos com uma surpresa. Enquanto sua família preparava o café, andamos na propriedade, ela mostrava cada planta, orgulhosa. Lembra da onde veio cada mudinha que recebeu, conta as técnicas que deram certo e as que deram errado e nisso elas vão conversando sobre o que pode mudar para melhorar. No meio do passeio ela vai retirando mudas e separando para as companheiras levarem. Dona Marilda e Dona Judite se admiram ao ver uma ervilha branca, pois segundo elas: “Essa já é muito difícil de se achar, quase não tem”.
Fabiana Souza – Mestranda em Educação Científica e Tecnológica na UFSC, Militante do MMC em Santa Catarina e do Coletivo Nacional LGBT do MMC
LGBTI+ de sete países participam do 3º Seminário sobre Diversidade Sexual e de Gênero na Via Campesina Brasil
Por Arlla Xavier e Wesley Lima*
Fotos: Júlia Barbosa / CPT Nacional
Na última quinta-feira (14), começou o 3º Seminário Diversidade Sexual e de Gênero na Via Campesina Brasil, com a presença de LGBTI+ de diversos movimentos e organizações populares que constroem a Via e representantes de outros seis países
A Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), localizada em Guararema (SP), recebeu o Seminário, que teve atividades previstas entre os dias 14 e 17 de setembro, com o objetivo de discutir temas que vão desde o debate em torno dos direitos humanos até a dimensão da interseccionalidade das lutas.
Aconteceram momentos de formação que abordaram alguns temas, como “Território, orgulho e resistência LGBTI+ no campo, nas Águas e nas florestas”, “Conceitos Chaves e Contribuições do Feminismo Camponês e Popular para a dimensão da Diversidade Sexual e Identidade de Gênero”, “Colorindo a Luta Camponesa Internacional: Os desafios da diversidade sexual e de gênero na CLOC e LVC Internacional” e “Sem LGBTI+ não há revolução: Combatendo às violências contra as existências e resistências LGBTI+ no campo, nas águas e nas florestas”.
Para auxiliar nas formações, os movimentos e as organizações que compõem a Via Campesina Brasil têm acumulado e contribuído nos debates, tendo como ponto de partida, a diversidade das lutas e desafios que estão posicionados na defesa dos territórios e dos projetos defendidos pelos povos do campo, das águas e das florestas.
Um dos temas discutidos no primeiro dia do Seminário foi a dimensão da violência aos corpos LGBTI+. Lucineia Miranda é integrante da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), pelo Setor de Gênero, e contribuiu no debate sobre a conjuntura política nacional e internacional. Ela explica que o atual momento econômico, social e cultural é atravessado por crises profundas do modo de produção do capitalismo, e que essas crises “acirram as violências contra a população LGBTI+, contra as mulheres e a população preta no Brasil”, essas populações são as mais exploradas por esse sistema.
Companheires contribuindo na leitura da conjuntura
“Vivemos o aprofundamento de um conjunto de crises. A crise climática, por exemplo, provocada pela super exploração dos bens comuns da natureza, está na ordem do dia, mas ela não caminha sozinha. Ela é fruto de um processo de expulsão dos povos tradicionais de seus territórios e de extermínio dos mesmos. A violência do capital é estratégica para a super exploração”, denuncia Miranda.
Neste contexto, ela explica que hoje ocorre um processo de “normalização da violência” e ela está conectada com o avanço do conservadorismo no Brasil e no mundo. Miranda afirma que há um avanço dos “governos ultraconservadores no mundo”, que se posicionam na construção de alianças econômicas importantes.
É neste cenário, que Alessandro Mariano, da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, aponta que é necessário construir “uma estratégia na região [América do Sul] de enfrentamento ao conservadorismo” e, olhando para o Brasil, ele comenta que “o Governo Lula é um espaço de disputa” e por isso é necessário ter unidade e organização de lutas na defesa dos direitos das LGBTQIA+.
“Nós avançamos! Temos conquistas importantes e conquistas históricas, mas é fundamental seguir em luta. Nesse sentido, nós temos o papel de fazer pressão popular, para que novas conquistas possam acumular forças e condições políticas de construir lutas contra o conservadorismo”, destaca Mariano.
Essas questões estiveram na centralidade das discussões do Seminário, que pretendeu, ao final, apontar linhas de planejamento e atuação para Via Campesina no Brasil implementar campanhas e lutas contra a LGBTI+fobia contra os povos do campo, das águas e das florestas.
A luta contra a LGBTI+fobia é internacional
A Via Campesina, uma organização internacional que agrega e constrói um processo de articulação entre os povos do campo, das águas e das florestas ao redor do globo, tem reconhecido a importância de incluir as pautas da diversidade sexual e de gênero em suas discussões. Esta edição do Seminário reforça a continuidade deste compromisso, ao posicionar questões que impactam diretamente as vidas de pessoas LGBTI+, como o avanço do conservadorismo e da violência no mundo.
Essa relação da Via Campesina no contexto Internacional com os movimentos, foi fundamental para a construção de um processo importante dentro da organização e, por isso, a via internacional constrói um material sobre a diversidade sexual e identidade de gênero, trazendo as pautas LGBTI+ para dentro das discussões.
A Via Campesina tem entendido que é preciso que as conexões internacionais sejam um ponto central nos diálogos entre as populações LGBTI+ dos movimentos que a compõem, que seja contínuo e consolidado ao longo dos anos. Esse ponto central permite que sejam feitas análises sobre as pautas que têm avançado nos últimos anos, estruturando assim, as melhores estratégias para a construção de diálogos com os países onde as pautas não avançam.
Esse aspecto internacional aponta que a luta pelo respeito à diversidade sexual e de gênero transcende fronteiras geográficas e culturais. Ao promover intercâmbio de experiências e aprendizados entre diferentes contextos, o Seminário contribui para a formação de uma rede global de solidariedade e resistência. Afinal, as batalhas por igualdade e justiça para a comunidade LGBTI+ são universais, e a Via Campesina se firma como um espaço onde essas lutas podem ser conectadas e fortalecidas.
*Arlla Xavier é comunicadora popular no Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) e Wesley Lima integra o Coletivo Nacional de Comunicação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
MMC participa do programa ECOS FEMINISMOS para falar sobre seus 40 anosAs companheiras Randielly Soares e Catiane Cinelli participam na próxima sexta, 23, do programa Ecos Feminismos, com Ivanilde Carvalho, companheira brasileira que vive em Roma, na Itália, e milita nas causas feministas, dos direitos dos povos originárias e tradicionais. Nossas companheiras do MMC vão falar sobre as lutas e conquistas dos 40 anos de trajetória do Movimento.
O programa, ao vivo, começa às 13 horas! Vamos acompanhar pelos links:
Fortalecer a luta em defesa da vida!
Todos os dias!
#MMC40Anos
#ExistimosPorqueLutamos
Ontem, dia 03 de maio de 2023, compartilhamos de uma triste notícia, que é o falecimento de nossa companheira Conceição Paludo. Partiu deste plano terreno, aos 68 anos de idade, em decorrência de um câncer.
Para rememorar suas contribuições para o Movimento de Mulheres Camponesas, Conceição Paludo, participou do início da construção do então Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Rio Grande do Sul (MMTR RS). Foi militante de nosso Movimento e esteve sempre presente nos processos formativos das mulheres do campo, nas suas lutas e organização.
Ao longo da sua formação acadêmica, foi se firmando como uma educadora popular marxista e feminista. Como militante e com identidade de camponesa, ao mesmo tempo, em que trabalhava, estudava e construía a sua família, contribuía nos finais de semana e feriados, nos debates, análises políticas, nas lutas e na elaboração de materiais para estudo. Contribuiu na formulação e reflexão das diretrizes do processo de construção do MMC, entre 2002 e 2004, nos auxiliando com elementos para darmos esse importante passo em nossa história de unificação e consolidação do MMC Brasil.
Com fundamentação marxista e feminista nunca perdeu de vista a luta de classes e o feminismo. Foi uma das mulheres pioneiras na discussão da educação do campo e suas relações. Em conjunto com os Movimentos Populares do Campo construiu uma política e uma pedagogia para a formação no e do campo.
“Para caminhar rumo à emancipação, um dos aprendizados proporcionados pela luta das camponesas evidencia que não adianta só compreender com razão (inteligência) que se é dominada, discriminada e explorada, é preciso querer (vontade), apaixonar-se (emoção) e se inserir nos processos de forma efetiva (ação). É preciso, então, reeducar a subjetividade. A razão, a vontade, a emoção e a ação tem que estar integradas, buscar compor um todo coerente, enfrentando as contradições, num movimento de resistência, que forja e realimenta, permanentemente, um novo jeito de pensar, de ser e de agir” (PALUDO, 2009, p. 12).
Com esse aprendizado hoje nos despedimos, com muita tristeza, deste plano terreno, dessa valorosa companheira que tanto contribuiu para a construção do que somos hoje, enquanto Movimento de Mulheres Camponesas.
Nosso carinho e agradecimento público, a ti CUTI (por nós chamada e conhecida, com carinho e respeito) por tudo que contribuiu para a luta e organização das mulheres. Seu legado sempre será lembrado e por nós honrado.
Vá em paz querida companheira. Seguiremos por aqui, na luta e em luta!
Em nome das camponesas do Brasil, nossos profundos sentimentos aos familiares.
Comitê Popular das Mulheres Feministas lança carta com 13 pontos centraisO Comitê Popular das Mulheres Feministas Brasileiras é uma articulação democrática-popular do movimento feminista com representações nacionais dos movimentos sociais auto-organizados, mistos, centrais sindicais, partidos, entidades, redes e frentes de atuação política do campo da esquerda. Este comitê foi fundado a partir da necessidade do feminismo brasileiro de se articular contra as reformas do golpismo de Temer, os terrores da gestão bolsonarista e em defesa da candidatura do agora Presidente Lula. No entanto, nossa articulação não se encerrou no processo eleitoral, segue na luta em defesa da vida, por autonomia, igualdade, liberdade e dignidade para as mulheres.
Com o lema “Pela vida das mulheres: em luta contra a fome, pela democracia e pelo bem viver”, a carta apresenta 13 pontos considerados fundamentais para que os governo federal, estaduais e municipais busque dar respostas ao enfrentamento da fome, na defesa da democracia e na promoção do bem viver para as mulheres e o povo brasileiro.
Leia a carta na íntegra: Carta do Comitê Popular das Mulheres Feministas Brasileiras