Carta dos estudantes brasileiros da nona corte do curso de medicina-ELAM - MMC - Movimento de Mulheres Camponesas

Notícia

Carta dos estudantes brasileiros da nona corte do curso de medicina-ELAM

A Escola Latino Americana de Medicina é parte de um dos projetos pensados pelo comandante Hugo Chavez e Fidel Castro para a classe trabalhadora do mundo, sendo fruto de um dos objetivos da revolução bolivariana que é a integração dos povos e a formação de médicos integrais comunitários (MIC). Entendemos que as fragilidades estruturais que a ELAM vem passando no que se trata ao abastecimento e ao descaso por parte das diretivas que já assumiram a escola, vem causando uma grande desistência de estudantes de nossa corte, e isso se deve também a dificuldade organizativa da instituição…

Estimados companheiros

Há aproximadamente cinco meses desembarcamos em terras venezuelanas, no dia dezenove de Setembro de dois mil e quinze no Aeroporto Internacional Simon Bolívar de Maiquetía, como candidatos ao curso de medicina integral comunitária. Somos cinquenta e cinco brasileiros de diferentes organizações, e desde esse momento somos parte da nona corte de estudantes de medicina da Escola Latino Americana de Medicina Dr. Salvador Allende.

No dia de nosso desembarque participamos de um ato receptivo ainda no aeroporto, estavam presentes por parte do Governo Bolivariano da Venezuela, Cezar Trompiz presidente da fundação Gran Mariscal de Ayacucho, Adriana Rodrigues vice presidente da mesma, pela ELAM Dr. Lisyane Terán consultora jurídica, da brigada Internacionalista do MST a companheira Missilene Goretti e o companheiro Denir de Souza, bem como representantes do ministério de educação, da embaixada brasileira entre outros. Em seguida nos encaminharam para a escola.

Desde que chegamos fomos bem recebidos pelo corpo diretivo e por todas as delegações que fazem vida nessa instituição.

Durante o período do pré-médico participamos de vários grupos já organizados onde haviam pessoas de muitas  nacionalidades e a relação que estabelecemos desde de ai vem sendo de respeito e muita responsabilidade. A diretiva foi acolhedora e em muitos momentos contribuímos na organização de atos cívicos, apresentações culturais (o que incluiu uma festa representando a cultura brasileira) e na auto-organização da escola.

Nesse curto período de tempo a Venezuela sofreu a reconfiguração da assembleia nacional que hoje tem maioria direitista. A ELAM sofreu com a troca da equipe diretiva devido a uma mudança interna do ministério de educação do país.

Evidentemente o Império está avançando e estendendo suas operações invasivas em todos os continentes, nos encontramos em um período de profunda crise. Os “donos da verdade mundial”, grandes imperialistas e os meios de comunicação seguem registrando publicamente tempos de paz.

O capitalismo controlado por seu polo imperialista se há convertido velozmente em um sistema de saqueio onde a reprodução das forcas produtivas permanece completamente subordinada a lógica do parasitismo, causando o esgotamento dos recursos naturais e mercados periféricos para obter assim as taxas de ganho de seu decadente sistema produtivo-financeiro.

Venezuela é parte da atual conjuntura mundial de enfrentamento ao cerco neofacista e imperialista, que vê a América como quintal de domínio norte americano e europeu, a atual guerra econômica que o país vem sofrendo durante estes últimos períodos nada mais é que, outra das muitas tentativas de golpe.

A Escola Latino Americana de Medicina é parte de um dos projetos pensados pelo comandante Hugo Chavez e Fidel Castro para a classe trabalhadora do mundo, sendo fruto de um dos objetivos da revolução bolivariana que é a integração dos povos e a formação de médicos integrais comunitários (MIC).

Entendemos que as fragilidades estruturais que a ELAM vem passando no que se trata ao abastecimento e ao descaso por parte das diretivas que já assumiram a escola, vem causando uma grande desistência de estudantes de nossa corte, e isso se deve também a dificuldade organizativa da instituição.

De todos os motivos já expostos o maior deles tem sido a insatisfação dos estudantes em relação ao compromisso das instituições responsáveis pelo funcionamento da ELAM, inclusive a própria direção da escola que não tem se mostrado presente na realidade dos estudantes.

O método de ensino da ELAM é voltada para a formação de médicos integrais comunitários, concretizando uma medicina que garanta a promoção, prevenção e também curativa.

A proposta inclui um curso introdutório ou Pré-médico, que tem como objetivo proporcionar um nivelamento dos conhecimentos básicos como Biologia, Química, Matemática, Informática Básica, e especificas que incluem conhecer a conjuntura política do país, o idioma e técnicas de comunicação e estudo.

Utilizando os mesmos métodos de ensino da ELAM de Cuba nossos professores são também médicos cubanos que contribuem na Missão Barrio Adentro. Em nossas atividades docentes desde o primeiro ano os estudantes são levados para os Centros de Diagnostico Integral (CDI) e consultórios nos bairros mais próximos da escola, para desde muito cedo nos colocarmos em contato com a realidade da saúde do país, observando os médicos profissionais em seu trabalho e aprendendo como funcionam os mecanismos hospitalares que auxiliam na execução da pratica médica.

A estrutura da instituição que esta a nossa disposição em sua proposta inicial era provisória, a ELAM do projeto de Chávez teria sua sede em outro estado venezuelano, porém devido ao avanço da conjuntura, nesses nove anos de uso fisicamente esse espaço tem se deteriorado apresentando muitos problemas, inclusive alguns que comprometem a saúde estudantil.

Em relação a alimentação, um tema que é de grande importância para esse documento, tivemos muitos problemas de adaptação, pois quem administrava o comedor da ELAM era uma cooperativa que não cumpria com o contrato estabelecido, assim o preparo e o cuidado com os alimentos servidos era precário, não havia um planejamento e organização de um cardápio.

Além da quantia insuficiente também a qualidade dos alimentos não garante a necessidade estudantil em geral. A partir desse mês teremos a mudança da empresa responsável pelo comedor que esperamos que melhore a situação, esse avanço se deve a luta dos estudantes e trabalho que vem sendo realizado nas mesas de seguimento após o paro estudantil que aconteceu no começo de fevereiro. Ainda nesse ponto temos a questão da higiene da cozinha que está em péssimas condições.

A segurança da escola esta dividida em dois setores internos, uma com a presença da guarda nacional e outra de monitores, esses últimos estão mais presentes na resolução de problemas dos estudantes em habitações, classe, cozinha, esporte e eventos e mesmos assim são constantes os casos de furtos entre os estudantes; A guarda nacional é responsável pela segurança estratégica, a ELAM esta localizada em uma zona vermelha onde a segurança externa é de alerta, muitos estudantes mesmo no caminho até o metro cable (meio de transporte publico) para sair a Caracas foram assaltados a mão armada, essas são situações diárias e muito preocupantes.

No caso do Bairro Adentro as zona nas quais vamos atuar exigem muita atenção e cuidado, igualmente são zonas vermelhas e já presenciamos muitas situações de assalto, tiroteio que é uma problemática muito comum, até mesmo em um dos CDI’s  houve um assalto onde foram roubados os equipamentos hospitalares e o guarda foi assassinado pouco antes da chegada dos estudantes, a ambulância da ELAM já foi sequestrada em outra situação, e os relatos são muitos.

Ao iniciarmos os processos para a vinda à Venezuela vários exames de saúde foram solicitados pela Fundação Ayacucho e realizados pelos estudantes, porém os mesmos não foram revisados ao chegarmos aqui. Alguns estudantes possuem doenças que requerem acompanhamento e aqui nem mesmo nossa historia clinica foi incluída no serviço medico que temos. Muitos dos nossos estudantes tem buscado tratamento em centros particulares por conta própria, encontrando com a situação de um país onde a escassez de medicamentos e material básico é uma realidade.

Atualmente a escola comunicou que realizará uma bateria de exames com todos os estudantes, de todas as delegações e também fara o histórico clinico de cada um. Contamos com dois profissionais médicos em uma estrutura de atendimento básico na enfermaria, porém a mesma encontra-se com poucos recursos tanto de medicamentos como de materiais para uso básico, também sentimos a ausência de profissionais que para uma escola em regime de internato deveria apresentar, como psicólogo e outros mais.

Outro ponto muito importante na área da saúde é a qualidade da água que abastasse desde o bebedouro até o uso geral, que além de não termos conhecimento de como é feito o tratamento ou se o mesmo existe, também não sabemos como é feito o saneamento básico da instituição; A reserva de agua que nos abastece está secando e dificultando ainda mais esta situação. 

As doenças mais comuns que temos são: amigdalite, infecção urinária, e vírus como Zica e Dengue. Há casos de epilepsia, glaucoma, hipertireoidismo, asma, psoríase e lúpus, que vem sendo tratados como casos especiais, porem muitos deles são tratados em centros particulares e dependem do estudante.

A ambulância que a instituição possui esta em precárias condições, não tem nenhum equipamento interno e não é o mecanismo de transporte adequado para conduzir uma emergência medica.

O transporte dos estudantes para atividades externas como o Bairro Adentro é garantido por dois ônibus, porém os mesmos não suprem as necessidades internas e isso prejudica a formação acadêmica pois muitas vezes deixamos de assistir as praticas nos bairros por não ter transporte.

As praticas culturais e esportivas são várias, realizadas internamente e externamente entre estudantes e funcionários, há equipes de futebol de campo, futebol de salão, basquete, beisebol, e também danças tradicionais das diversas delegações que sempre são representadas nas atividades coletivas. A instituição também dispõe de um ginásio, um campo de futebol, quadra poliesportiva e uma academia que está sendo recuperada.

Nos inserimos nas diversas atividades da escola no intuito de contribuir e compartilhar experiências, reconhecemos que a organização é a principal forma de superar os desafios dentro de um coletivo, por isso, baseamo-nos na pratica cotidiana dos movimentos sociais dos quais somos militantes. Ainda no ano anterior nos incluímos em uma brigada de primeiros socorros, grupo de canto e teatro, Kung Fu Shaolin e nesse contexto surge também a Brigada de Agroecologia.

A ELAM tem uma ampla área para muitas atividades, e pensando em contribuir de maneira pratica formamos uma Brigada de Agroecologia entre os estudantes, como um espaço de formação e estudo.

Essa Brigada conta com a participação de trinta e sete pessoas de quatro delegações distintas, Brasil, Palestina, Venezuela e Caribe, num esforço de integração, há também professores que estão apoiando e contribuindo nesse processo. 

O trabalho esta voltado para a produção de hortaliças, mudas frutíferas, tubérculos, plantas medicinais e aproveitamento dos restos de alimentos que são desperdiçados na cozinha, utilizando os mesmos para fazer compostos orgânicos para aumentar assim a fertilidade do solo que é débil aqui na ELAM. 

Temos um projeto de construir uma estufa e uma Mandala para ampliar a produção, onde também podemos acrescer a criação de peixes e galinhas, esse projeto segue em adaptação e analise por parte da escola.

A brigada também tem como objetivo fazer intercâmbios com outras universidades e comunidades, para socializar conhecimentos sobre todo esse processo de produção agroecológico e a alimentação saudável, e também trabalhar a importância das plantas medicinas na prevenção e cura de enfermidades.

Ainda no Brasil foram escolhidos democraticamente dois coordenadores, sendo os companheir@s Mateus Sabino (MST) e Kessya Kolen (EDUCAFRO), os mesmos atuaram de forma contundente e politica por seis meses. Recentemente houve uma mudança de coordenação a pedido dos mesmos, assim os companheir@s Jeandro Alves (MST) e Soraya Souza (MMC) foram indicados para assumir a tarefa, ambos companheiros tem demonstrado grande interesse e contribuído para a organização  do nosso coletivo e também são nossos representantes na vocería (representante de delegação) estudantil interna.

De forma geral estamos organizados em núcleos de bases, a partir dos grupos de classe, cada um se compõe de sete à oito pessoas entre homens e mulheres, e esses núcleos tem a função de se auto- organizar para estudo e atividades da própria turma.

Enquanto coletivo realizamos reuniões semanais de forma ordinária toda sexta feira, e extraordinária sempre que a luta convocar.

Nosso processo organizativo não é isolado, procuramos sempre viver e sentir a mística da luta do povo em cada pessoa buscando orientações com nossos companheiros da Brigada Apolônio de Carvalho e outros companheiros do Brasil, para assim avançar no processo organizativo interno, sem esquecer o cultivo aos valores militantes.

Os espaços de formação politica que já tivemos ate o momento se deram internamente, e o acompanhamento da turma teve limites, pois nossos militantes que estão na Venezuela têm muitas responsabilidades junto à finca e outros espaços, além de estar pendentes da turma. A partir desse mês sabemos que a companheira Celia estará mais ligada a essa tarefa, o que tem nos entusiasmado muito.

Mesmo distante de nossas bases reafirmamos nosso compromisso com o estudo e com a luta, assim seguiremos firmes nessa responsabilidade, como militantes que somos. Nos despedimos com um grito revolucionário desde Venezuela bolivariana, socialista e Chavista.

República bolivariana de Venezuela
Mariche, Miranda 10 de março de 2016

 

A utopia está lá no horizonte
Caminho dois passos
Ela se afasta dois passos
Caminho dez passos
E o horizonte corre dez passos
Por mais qe eu caminhe jamais alcançarei
Para que serve a utopia?
Serve para isso:
Para que eu não deixe de caminhar.
(Eduardo Galeano)