Alexina participou ativamente das Ligas Camponesas de Pernambuco entre 1955 e 1964 que se espalharam para todo o Brasil. Quando a conheci, eu era pouco mais que uma adolescente de 19 anos e não tinha a dimensão de quem ela era. Ao conhecer, fiquei impressionada como uma mulher daquela estatura não era conhecida pelos brasileiros", afirma a jornalista Stella Maris Saldanha, diretora do documentário Alexina – memórias do exílio, exibido em maio do ano passado
Morre Alexina Crêspo, lider feminina das Ligas camponesas em Pernambuco e ex-companheira de Francisco Julião
Elisa Jacques
Publicação: 14/11/2013
Morreu na tarde dessa quinta-feira (14), de insuficiência respiratória, Alexina Lins Crêspo de Paula, 87 anos, ex-mulher do advogado militante Francisco de Paula Julião. A relevância histórica de Alexina Crêspo está no registro de lutas sociais do estado e do país, e no contato com grandes lideranças políticas de esquerda, entre Che Guevara, Mao Tsé Tung e Fidel Castro.
"Alexina participou ativamente das Ligas Camponesas de Pernambuco entre 1955 e 1964 que se espalharam para todo o Brasil. Quando a conheci, eu era pouco mais que uma adolescente de 19 anos e não tinha a dimensão de quem ela era. Ao conhecer, fiquei impressionada como uma mulher daquela estatura não era conhecida pelos brasileiros", afirma a jornalista Stella Maris Saldanha, diretora do documentário Alexina – memórias do exílio, exibido em maio do ano passado.
Junto com o jornalista Claudio Bezerra, Stella contou a trajetória da vida da militante. Na tela, a figura de Alexina Lins é a de uma mulher que sonhou com o fim das injustiças no campo, mobilizou, resistiu e acabou obrigada a deixar o país para escapar da prisão. De Cuba para o mundo, conheceu personagens que se tornaram ícones mundiais do pensamento de esquerda. “Ela tinha uma dedicação apaixonada pela causa dos camponeses e pelas transformações sociais, mas morreu sem ver o sonho realizado”, acrescentou Stella.
Segundo a jornalista, esse momento da vida de Alexina é marcado por uma carta que a militante fez, aos 84 anos, para Fidel Castro. Na carta, ela falava do grande amor que tinha pela vida e da frustração por não ter conseguido realizar a revolução pela qual se dedicou a vida inteira. “Alexina teve treinamento de guerrilha em Cuba, aprendeu a montar e desmontar armas. Virou uma espécie de ‘relações internacionais das ligas’. Viajou a vários países, como a China, onde tomou chá com Mao Tsé Tung”, conta Stella Maris, que a conheceu no Teatro Hermilo Borba Filho, quando Alexina voltou do exílio.
Além da luta pela causa camponesa, Alexina tinha um imenso amor pelo teatro. “Essa é uma coisa que quase ninguém sabe. Ela guardou com muito cuidado”, completou a jornalista. O velório será realizado nesta sexta-feira (15), das 8h às 12h, no cemitério Morada da Paz, em Paulista. Segundo o desejo de Alexina, o corpo dela vai ser cremado e as cinzas jogadas ao mar.
Recordações de Alexina com Mao Tsé Tung e Fidel Castro
"Mao Tsé-Tung tinha uma gentileza e leveza extremamente orientais, uma maneira calma de falar as coisas, mesmo elas sendo muito sérias. As expressões não mudavam e ele tinha sempre um sorriso no rosto”
“Fidel é o oposto de Mao. As conversas sérias eram tratadas de forma bem informal. Muitas vezes as crianças estavam presentes, então era tudo bem leve. Fidel é um grande amigo. Na época em que as crianças moravam lá, ele foi um pai para eles. Ele tem um jeito latino, bem nosso".
Alexina – Retrato de uma militante
Seg, 30 de Abril de 2012
Você dificilmente ouviu falar dela. Ignorada pelos livros de história brasileira, quem quiser saber mais sobre Alexina Crêspo terá problemas para encontrar informações. Companheira de Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas – movimento que surgiu em 1955 na zona da mata pernambucana, e foi extinto em 1964, com o golpe militar –, a jovem nascida em uma tradicional família católica era um dos braços mais importantes dessa luta.
Com a chegada do documentário Alexina – memórias de um exílio, dirigido pelos jornalistas Claudio Bezerra e Stella Maris Saldanha, o espectador se aproxima da rica história dessa personagem, através das memórias afetivas do período em que ela esteve no exílio em Cuba, acompanhada por seus filhos, e pelo olhar de Fidel Castro. No curta, é possível perceber a importância de Alexina dentro das Ligas Camponesas. Espécie de embaixadora internacional do movimento, ela conheceu também Che Guevara e Mao Tsé-Tung, com quem chegou a negociar a entrada de armas no Brasil.
Apesar de correr o risco de tornar-se cansativo e demasiadamente sério, graças à sua temática e formato tradicional, o documentário foge dessas armadilhas, mantendo uma narrativa que se assemelha a uma conversa. É quase como se o espectador estivesse ao lado dos diretores, na sala de estar de Alexina, ou nas ruas de Cuba, caminhando com Anatólio Julião, filho do casal revolucionário.
Outro ponto forte são as imagens de arquivo, que incluem fotografias e vídeos, e a montagem ágil de Marcelo Pedroso, que insere bom ritmo ao documentário. Exemplo disso está em uma das cenas mais marcantes do curta, que intercala o silêncio emocionado de Anatólio, Alexina e a estátua pensativa de José Martí, símbolo da independência e revolução cubana. É uma bela experiência ver os depoimentos lúcidos de Alexina, aos 85 anos, e perceber que, uma vez que se entrega a alma a uma causa, ela caminha ao seu lado pelo resto da vida, mesmo nos momentos de cansaço e frustração.
Alexina, a militante que conviveu com Fidel, Che e Mao Tsé-Tung
Ex-mulher de Julião, ela sempre esteve à esquerda do líder das Ligas Camponesas
RECIFE – Ignorada pelos livros sobre a história recente do país, Alexina Lins Crespo de Paula não foi uma militante de esquerda comum. Ela praticamente respondia pelas relações internacionais das Ligas Camponesas, um dos movimentos sociais mais expressivos do Brasil e que agitou o Nordeste do final dos anos 1950 a meados de 1960. No período anterior ao golpe de 1964, chegou a negociar a entrada de armas no país e a manter entendimentos com líderes como Fidel Castro e Mao Tsé-Tung, por achar que a guerrilha era a melhor forma de realizar a reforma agrária em terras então dominadas econômica e politicamente pelos usineiros, que mantinham seus lavradores em regime de semiescravidão.
Aos 85 anos e ainda lúcida — apesar de um acidente vascular cerebral recente —, Alexina teve uma adolescência igual às das meninas burguesas de sua geração. Foi criada para casar, estudou em colégio religioso, e o pai não era ligado em política. Mas a avó e a mãe eram fãs do líder comunista Luiz Carlos Prestes. Em 1943, casou-se com o advogado Francisco Julião, que seria o fundador das Ligas Camponesas e um dos homens mais temidos pelas forças conservadoras de então. Tido como um demônio pelo regime militar implantado no Brasil em 1964, o ex-deputado estava à direita de Alexina.
— Quando casei, lia documentos sobre União Soviética, Cuba, China. Francisco começou a trabalhar nesse sentido. Achei que estava certo. Só divergia porque ele achava que (a revolução) tinha que ser pela via pacífica e eu, pela luta armada, na lei ou na marra — afirma ela no documentário “Alexina – Memórias de um exílio”, lançado na última segunda-feira. O filme foi rodado em Recife e em Cuba, e foi dirigido pelos pernambucanos Stella Maris e Cláudio Bezerra, professores da Universidade Católica de Pernambuco.
— Infelizmente, a História é injusta ou omissa com as mulheres. E Alexina não é exceção — afirmou Stella, principal responsável pelo resgate da saga da militante que, em 1962, deixou em Cuba os quatro filhos para estudarem. Queria dedicar-se integralmente ao trabalho das Ligas. Enfrentou muito preconceito por conta da atitude:
— Isso causou muita estranheza na família. Eram comentários desagradáveis. Mas eu tinha que voltar para o Brasil e reforçar o braço armado das Ligas, lembra Alexina, que também recorda de uma promessa de Fidel:
— Pode enviar (os filhos), que vou cuidar deles como se fossem meus.
A militante chegou a conviver também com Che Guevara. A lembrança que guarda dos dois líderes cubanos é de um Fidel falante e de um Che calado e fechadão. No documentário, ela também conta um encontro que teve com Mao, na China.
—Tomava chá com ele, quando me perguntou que material tínhamos de armas. Dissemos que não o suficiente para a guerrilha. Mas não posso falar muito se não me prendem — desconversa, no filme. Alexina estava em Cuba em 1964, para o casamento da filha Anatailde, quando o golpe aconteceu. Já era separada de Julião, com quem viveu por 20 anos. Ela pretendia retornar ao Brasil. Mas Fidel não deixou. Achava que morreria se voltasse.
No filme, ela relata episódios inacreditáveis em sua atuação como voluntária da Revolução de uma Cuba bélica, que acabara de derrotar os Estados Unidos. Alguns são até hilários.
— Plantei café, costurei sacos de açúcar e fiz guarda de noite. Morávamos perto da casa do Che. Eu fazia a ronda, mas não tinha arma e usava um cabo de vassoura. Peguei em arma só para treinar, mas não para fazer guarda — relata.
Recorda o reforço ideológico pelo qual passavam visitantes em Havana:
— Você sai de Cuba para matar e esfolar americano e o imperalismo. O contato com Che e Fidel vai dando reforço ao idealismo da gente, é fantástico — afirma, como se o passado ainda fosse presente.
* Esta reportagem foi publicada no vespertino para tablet “O Globo a mais”
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Morre Alexina Crêspo, a dirigente feminina das Ligas Camponesas
14 de dezembro de 2013
Depois de vários anos de sofrimento com uma enfermidade pulmonar, finalmente descansou, no Recife, a mais importante dirigente feminina das Ligas Camponesas, Alexina Lins Crêspo de Paula. Ela foi a representante oficial das Ligas Camponesas brasileiras na Reunião da Tricontinental realizada em Havana, no verão de 1967.
Discreta, como toda excelente revolucionária, rigorosamente responsável por atividades secretas ou clandestinas, Alexina Crêspo nunca deixou transparecer os cargos de mais alto nível que exerceu desde 1955, quando a Liga Camponesa do Engenho Galileia se perfilou como organização de luta.
Esposa de Francisco Julião, foi Alexina quem mais contribuiu na formação político-ideológica de esquerda do dirigente das Ligas de Pernambuco, mesmo sendo ela 14 anos mais jovem. Somada a isso, a prática militante de Jaime Miranda, do Comitê Regional o PCB de Pernambuco, e à minha influência [Clodomir Morais], estabelecemos o caráter leninista de que carecia a organização de massas criada por Zezé da Galileia, José dos Prazeres e pelo padre português Alípio de Freitas.
Muito antes do golpe militar de 1º de abril de 1964, Alexina levou seus quatro filhos pequenos, Anacleto, Anatólio, Anatilde e Analtaide para morar e estudar em Cuba.Também fez viagem a Pequim, onde se encontrou com o presidente Mao Tse-Tung e conversou sobre a carência de formação de quadros das organizações sociais chinesas, reunião testemunhada pela revista Manchete, de São Paulo.
Realizava cada vez mais missões importantes em nome das Ligas Camponesas, e, já na condição de secretária nacional de formação, alcançou multiplicar destacados quadros da organização, tais como o casal Delsuite Costa e Silva e Adauto Cruz, comandante dos esquemas militares de defesa das Ligas.
Quando os militares deflagraram o golpe de Estado, a liga de Vitória de Santo Antão ocupou a cidade toda para controlar os estoques de gasolina e bloquear a fuga dos latifundiários que perseguiam a Liga da Galileia. A ação foi realizada com êxito sob o comando dos camaradas Luiz Serafim, da professora Maria Celeste e do líder camponês Rochinha, com o apoio da formação dada pela camarada Alexina Crêspo. Para conhecer mais sobre a história dessa grande mulher, veja os filmes: Memórias Clandestinas (2007) de Maria Thereza Azevedo e Alexina – Memórias de um Exílio (2012) de Claudio Bezerra e Stella Maris Saldanha.
Por tudo isso, gritamos bem alto: CAMARADA ALEXINA CRÊSPO! PRESENTE, PRESENTE, PRESENTE!
Clodomir Morais foi deputado estadual pelo PCB em Pernambuco e é autor do livro História das Ligas Camponesas do Brasil