Na tarde desta quarta-feira, 30 de novembro, o MMC Brasil entregou à companheira Misiara Oliveira, da Executiva Nacional do PT e integrante do GT de Mulheres da equipe de transição para o governo Lula, uma carta com pautas, preocupações e propostas das camponesas. Durante toda a semana as companheiras do MMC estão em Brasília em reuniões de trabalho, diálogos e incidências sobre a construção do novo governo popular.
Leia a íntegra da carta:
Nós, mulheres do Brasil, organizadas no Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), nos dirigimos à equipe de transição que analisa e se prepara para assumir o novo governo de Lula a partir de 2023, sugerindo propostas que visem, de fato, melhorar a vida das mulheres no nosso país, em especial às mulheres do campo, das águas e florestas.
Manifestamos o nosso repúdio, nossa dor, nossa indignação e também nossa luta constante contra todas as formas de violências cometidas contra as mulheres. Chamamos atenção aqui para o feminicídio, que possui como especificidade o fato de ser uma violência de gênero cometida contra as mulheres sempre em situação de desumanização, na qual as mulheres e meninas não são consideradas em igualdade de direitos humanos e valor.
Trata-se de um ato qualificado como hediondo na legislação brasileira, pois é movido pela desigualdade, pela inferiorização e discriminação das mulheres. Sendo um fenômeno social, a situação de violência contra as mulheres não pode ser minimizada ou invisibilizada, posto que perdura e se aprofunda constantemente quando não é reconhecida, combatida e enfrentada como tal.
O agravamento da natureza dessa violência traz consequências muito profundas, em especial aos filhos/as, pela exposição de mais vulnerabilidade ainda, quando a mãe está morta, pai preso ou foragido e estes passam a viver de favor em casas de parentes ou em abrigos públicos, provocando danos à vida, ao futuro e à saúde emocional das crianças. Dados mostram o quanto é cruel para tantas meninas e meninos pelo país, pois estima-se que somente em 2021, o feminicídio deixou 2.321 crianças e adolescentes órfãos e órfãs. E o estado não assumiu seu papel de garantir proteção e segurança.
Cabe aqui ressaltar que para cumprir nossa missão enquanto mulheres camponesas,que é a produção de alimentos saudáveis e diversificados, que se concretiza através dos quintais produtivos, é de fundamental importância que o Estado brasileiro cumpra o papel de subsidiar a produção de alimentos. Faz-se necessária a criação de políticas públicas para as mulheres do campo, das águas e das florestas para fortalecer os quintais produtivos e aumentar a produção de alimentos saudáveis para o combate a fome, bem como, para contribuir na transição para a agroecologia, que é nosso projeto de vida para o campo e a cidade que nós defendemos. Como forma também de fazer o enfrentamento ao aumento das doenças como câncer, que é decorrente do uso abusivo e indiscriminado de agrotóxicos, que se configura como mais uma das violências que atingem nossos corpos e nossos modos de vida.
Lembramos que, desde o golpe contra o Governo Dilma, em 2016, somado aos quatro anos de um governo neoliberal com práticas fascistas e autoritárias, resistimos cotidianamente aos ataques, violações e desmontes de direitos das mulheres. A situação econômica das mulheres na atual conjuntura brasileira é uma questão crucial para o aumento das violências. O preço altíssimo dos alimentos, do gás, do transporte: tudo colabora para que milhões de mulheres fiquem ainda mais reféns de uma dependência econômica, de violência patrimonial e do medo. Que não vejam saída para si e para seus filhos/as.
Por isso reconhecemos que a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, no último pleito eleitoral, foi fruto de uma ampla aliança social, e nós, mulheres camponesas, estivemos nas ruas e nas redes comprometidas e atuando nas eleições.
Celebramos a eleição do Presidente Lula como a possibilidade de reconstrução do país. Reconstrução essa que exige a volta de mecanismos de participação social e o firme compromisso com a retomada das políticas públicas para as mulheres e a superação dos retrocessos que o Governo Bolsonaro impôs à vida das meninas e mulheres camponesas.
Nós, mulheres camponesas, acreditamos no diálogo entre movimentos populares e gestoras/es públicos para a formulação, implementação e avaliação das políticas públicas que visam diminuir as desigualdades sociais, de gênero, raça e etnia. Saudamos a conquista de um Governo que considera o diálogo com os movimentos sociais e populares em suas diferentes expressões, autônomo e crítico, como fundamental para a gestão democrática do Estado brasileiro.
Nos posicionamos de maneira intransigente:
Pela defesa da vida, com a construção de novas relações entre os seres humanos e com a natureza como um todo;
Pelo combate à fome e o direito humano a alimentação saudável;
Pela defesa da democracia e demais direitos garantidos na constituição brasileira;
Contra a política sistemática de produção e naturalização do ódio;
Contra a desigualdade social e o empobrecimento da população;
Contra todas as formas de violências sofridas pela classe trabalhadora em especial contra as mulheres camponesas, negras, indígenas e das periferias, bem como da população LGBTQIA+.
Ressaltamos que nosso compromisso na reconstrução do país se situa na apresentação de nossas propostas, na reafirmação e na defesa cotidiana das nossas pautas e lutas, bem como pela demanda de que alguns decretos e portarias que violaram nossos direitos e atacaram ferozmente a autonomia das mulheres sejam revogados imediatamente!
Continuaremos vigilantes e construindo o Feminismo Camponês Popular que nasce da experiência de luta das mulheres camponesas em sua diversidade (indígena, negra, quilombola, assentada, acampada, trabalhadora rural, agricultora, quebradeira de coco, pescadora artesanal, assalariada rural, extrativista etc.). Da luta por direitos, por terra, por respeito a natureza, pela agroecologia, pela soberania alimentar, pela preservação das sementes crioulas, pelo fim da violência contra as mulheres, pela participação em igualdade de condições nos espaços políticos, contra o capitalismo, o patriarcado e o racismo. Afirmamos que nos manteremos organizadas para lutar e resistir no campo, seguiremos fortalecendo nossos laços de solidariedade, amor e justiça.
Fortalecer a luta em defesa da vida! Todos os dias!
Movimento de Mulheres Camponesas do Brasil
Novembro de 2022