MMC participa da construção e entrega de carta dos Movimentos Feministas ao Grupo de Trabalho Mulheres da equipe de transição do Governo Lula - MMC - Movimento de Mulheres Camponesas

Notícia

MMC participa da construção e entrega de carta dos Movimentos Feministas ao Grupo de Trabalho Mulheres da equipe de transição do Governo Lula

O MMC Brasil participou na terça-feira, 29 de novembro, da entrega da Carta do Movimento Feminista e de Mulheres 2022 ao Governo de Transição. Um momento histórico para a luta das mulheres do campo, das águas, das florestas e das cidades. O documento pede a urgência  imprescindível da criação do Ministério das Mulheres.

 

O MMC esteve presente em todo o processo de construção das propostas apresentadas na carta e assina junto aos demais movimentos e organizações feministas e de mulheres de nosso país. Nossas pautas pelo fim das violências no campo, nas águas e nas florestas, assim como a retomada e fortalecimento das políticas públicas para a produção de alimentos saudáveis para o povo estão no conjunto de demandas das mulheres brasileiras. Nós, mulheres do campo, estaremos alertas e lutando cotidianamente por um governo popular e que respeite e valorize a vida, o trabalho e a importância das mulheres e seus direitos.

 

Leia a íntegra da carta:

 

Carta do Movimento Feminista e de Mulheres 2022 ao Governo de Transição

 

Nós, MOVIMENTOS FEMINISTAS E DE MULHERES DO CAMPO DE ESQUERDA firmantes dessa carta, nos dirigimos à equipe de transição que analisa e se prepara para assumir o novo governo de Lula a partir de 2023, sugerindo propostas que visem de fato melhorar a vida das brasileiras.

 

Desde o Golpe de 2016, reagimos cotidianamente aos ataques, violações e desmonte de direitos das mulheres. Nos posicionamos favoráveis à candidatura de Lula e temos a expectativa de que os mecanismos de participação social voltem a ser uma prioridade do novo governo.

 

Estivemos nas ruas e nas redes comprometidas e atuando durante as eleições, celebramos a eleição do Presidente Lula e as possibilidades de reconstrução democrática do Estado de direito em nosso país. Essa reconstrução exige o firme compromisso com a retomada das políticas públicas para as mulheres e a superação dos retrocessos que o Governo Bolsonaro impôs à vida das meninas e mulheres brasileiras.

 

Nós, ativistas feministas antirracistas e anticapitalistas, das cidades, do campo, das águas e das florestas, acreditamos na relação necessária e profícua entre movimentos feministas e gestoras e gestores públicos para a formulação, implementação e avaliação das políticas públicas que visam diminuir as desigualdades sociais, de gênero, de raça e etnia.

 

Saudamos a conquista de um Governo que considera o diálogo com os movimentos sociais e populares em suas diferentes expressões, autônomo e crítico, como fundamental para a gestão democrática do Estado brasileiro.

 

Nos posicionamos de maneira intransigente pela defesa da democracia, contra a política sistemática de produção e valorização do ódio, contra o empobrecimento da população e a negação dos direitos das mulheres, da classe trabalhadora, do povo preto, quilombolas e povos originários do país!

 

Ressaltamos que nosso apoio na reconstrução do país se situa na apresentação de nossas propostas, na reafirmação e na defesa cotidiana das nossas pautas e lutas, bem como pela demanda de que alguns decretos e portarias que nos atingem sejam revogados imediatamente.

 

Defendemos como prioridade absoluta o diálogo para a revogação de medidas do Governo Bolsonaro que violaram direitos e atacaram ferozmente a autonomia das mulheres brasileiras.

 

Assim, consideramos fundamental e inegociável:

Enfrentamento ao racismo estrutural e ao encarceramento e genocídio da população negra, quilombola e indígena desse país; o que demanda passos para a desmilitarização e uma segurança pública que respeite os direitos humanos;

 

Justiça socioambiental e defesa intransigente do território dos povos tradicionais, quilombolas e originários do campo, das florestas e das águas;

 

Defesa dos direitos sexuais e direitos reprodutivos, com base na justiça reprodutiva e luta pela legalização do aborto;

 

Combate à pobreza e à fome através de políticas públicas de geração de autonomia e renda e de acesso à alimentos saudáveis produzidos pela agricultura familiar e camponesa;

 

Enfrentamento da superexploração e precarização do trabalho e medidas para enfrentar a desproteção social do trabalho das mulheres;

 

Pelo fim da LGBTQIA+fobia, lesbocídio e do transfeminicídio;

 

Pelo enfrentamento a todas as formas de violências contra as mulheres, crianças e meninas, incluindo a violência política de gênero considerando na formulação das mesmas as especificidades geográficas das mulheres do campo, das florestas e das águas;

 

Por uma democracia feminista, antirracista e antipatriarcal;

 

Pela democratização dos meios de comunicação, para enfraquecer e derrotar a desinformação;

 

Pela reforma do sistema político, com paridade de gênero, raça e etnia nas chapas e no acesso aos recursos de campanha, com a urgência do controle do financiamento privado nas campanhas políticas e da não interferência religiosa no processo político;

 

Defesa pela elaboração de uma Política Nacional Integrada de Cuidado, com orientação de universalização, garantia dos direitos de quem cuida e quem é cuidado, geração de emprego e autonomia econômica das mulheres, que deve ser integral e intersetorial, integrando as áreas de políticas para as mulheres, Saúde, Educação, Assistência Social, Trabalho e Emprego, com participação dos movimentos sociais em sua elaboração e avaliação;

 

Revogação do teto de gastos e a garantia de financiamento é condição para uma Política Nacional Integrada de Cuidado que crie e amplie as infraestruturas e serviços públicos de cuidado – como a criação do serviço público de cuidadores domiciliares de idosos por meio do SUS e/ou SUAS e a universalização do direito à creche. Tais políticas devem visar a reorganização e redistribuição da responsabilidade social pelo cuidado, enfrentando a desigualdade de gênero e raça e contribuindo para a ampliação e universalização do acesso das mulheres à seguridade social;

 

Por um programa de combate ao tráfico de mulheres e a exploração sexual de meninas, adolescentes e mulheres;

 

Por ações que se contraponham ao fundamentalismo religioso e ao conservadorismo que naturaliza e reforça a violência patriarcal.

 

Consideramos que para enfrentar as desigualdades exponenciadas nos últimos anos, o empobrecimento massivo, a fome, o endividamento, o feminicídio, a violação da autonomia reprodutiva, o caos na saúde pública, e garantir a reconstrução do SUS, do SUAS, do fortalecimento da agricultura familiar e camponesa e das políticas para as mulheres, é preciso enfrentar o ajuste fiscal imposto pelo Golpe de 2016 e o orçamento secreto de Bolsonaro para seus fins eleitoreiros e espúrios. Sem orçamento, não há direitos! Por isso, defendemos o firme compromisso deste Governo com a revogação do teto de gastos!

 

Demarcamos nossa posição antipatriarcal, antirracista e anticapitalista, anticapacitista com participação popular. Desta forma, defendemos o compromisso do governo com a real participação popular, através do apoio e efetivação das deliberações das conferências.

 

Defendemos uma democracia feminista, que nos acolha em nossa diversidade e nos reconheça como cidadãs e sujeitas de direito, nos garantindo participação nos espaços de decisões de poder.

 

Diante do exposto, como medidas emergenciais, elencamos neste documento os decretos e portarias que devem ser revogadas imediatamente, seja para reformulação e publicação com nova redação ou para sustar os retrocessos que tais decisões causam à sociedade como um todo e às mulheres em particular:

 

Decreto nº 10.531, de 26 de outubro de 2020, que instituiu a Estratégia Federal de desenvolvimento para o Brasil no período de 2020 a 2031, deve ser revogado, pois versa sobre a criminalização total do aborto e a adoção da escola sem partido, entre outas agendas que colidem com os direitos das mulheres;

 

Decreto Nº 10.570, de 9 de dezembro de 2020, que institui a Estratégia Nacional de Fortalecimento dos Vínculos Familiares e o seu Comitê Interministerial, mas não promove a igualdade entre homens e mulheres, nem promove políticas públicas de cuidado;

 

Decreto nº 10.906, de 20 de dezembro de 2021, que instituiu o Plano Nacional de Enfrentamento ao Feminicídio, que deve ser reescrito, levando em conta os debates sobre esse tipo de violência, além das diretrizes, normas e convenções já estabelecidas, que foram desconsideradas na redação vigente;

 

Decreto nº 10.112, de 2019, que institui o Programa Mulher Segura e Protegida, e precisa ser reformulado, porque não atende às diretrizes, normas e convenções já estabelecidas para o enfrentamento à violência contra as mulheres;

 

Portaria nº 2.561, de 2020, que dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS, que precisa ser substituída para garantir o acesso das vítimas de violência sexual aos serviços de saúde para a interrupção da gravidez, sem criminalização ou constrangimentos;

 

Decreto nº 10.987, de 8.3.2022, que institui o Programa Mães do Brasil, que precisa ser substituído por uma política nacional que enfrente a mortalidade materna e se articule com o atendimento em saúde de forma integral;

 

Retirada da Cartilha para Gestantes, que foi discutida em audiência pública, mas foi modificada e mantidas questões sérias relativas à viabilidade fetal e inconsistências do ponto de vista dos direitos humanos;

 

Criação de GT bipartite (trabalhadoras/governo) permanente, no MTE sobre Trabalho Doméstico para: a) avaliar os impactos da legislação do trabalho Doméstico e a Pandemia e propor modificações/atualizações; b) propor metodologias de inspeção do trabalho doméstico; c) levantar diagnóstico e medidas preventivas relacionadas ao trabalho doméstico; d) apontar outras políticas públicas (habitação, prevenção da violência contra a mulher, creches, etc) que podem beneficiar as trabalhadoras domésticas.

 

Retorno do desconto no imposto de renda do empregador quanto ao trabalho doméstico formalizado;

 

Implementação da Convenção 189: revisão da atual legislação à luz da Convenção (Lei 150/2015 e outras normas legais), ampliação da formalização, previdência social, situação das diaristas e MEI, saúde e segurança no trabalho doméstico, fiscalização, equiparação dos sindicatos da categoria e revisão do e-Social;

 

Trabalho doméstico análogo à escravidão: denúncias e fiscalização; apoio às resgatadas: moradia, aposentadoria e seguros;

 

Trabalho Doméstico Cidadão: retomada do programa de elevação de escolaridade e formação profissional com abrangência nacional;

 

Políticas públicas direcionadas às trabalhadoras domésticas: programa de moradia, documentação e outros;

 

Criação da Poupança Social para as trabalhadoras domésticas;

 

Criação de instância permanente de trabalho e negociação no Ministério do Trabalho.

 

Defendemos ainda a integração de políticas públicas sociais de gênero, de raça, etnia e orientação sexual, através de uma atuação transversal no enfrentamento efetivo às violências praticadas nas esferas familiar, social, organizacional e política. Esta é uma questão central a ser implantada urgentemente, tendo em vista a sua complexidade, que é propulsionada pela cultura, ainda vigente, que é patriarcal, machista, racista e LGBTfóbica.

 

Por isto, se faz urgente que o governo implemente uma política de Estado, que efetivamente garanta serviços públicos integrados, através de redes protetivas, que intervenham nas causas culturais e nas sequelas e fatores sociais, que têm mantido nossas Mulheres em situação de violência familiar, social e política, culminando até com o feminicídio.

 

Entendemos que a aplicação universal da Lei Maria da Penha e da Lei do Feminicídio pressupõem a criação de uma política de Estado que:

 

integre em um único sistema todos os entes da federação;

 

garanta, de fato, a transversalidade, a integração e a eficácia das ações interministeriais e interestaduais e intermunicipais;

 

priorize a assistência social, educação, educação infantil, em período integral, para suas crianças, saúde integral, acesso à justiça, segurança, habitação, trabalho e renda para todas as Mulheres da cidade, do campo, das águas e das florestas.

 

Com isto, as mulheres terão o apoio institucional, para a eliminação dos fatores biopsicossociais, que a têm mantido em situação de violências estruturais, seja no âmbito familiar, social, organizacional e político. Esta política de Estado precisa prever a definição tripartite de atribuições, responsabilidades e financiamento entre os entes da federação para criação, instalação, manutenção e ampliação de um modelo mínimo de estrutura organizativa em cada município ou região de nosso país.

 

No âmbito da Saúde, defendemos:

 

 Recomposição geral do Ministério da Saúde, que articule a Vigilância em saúde, Saúde indígena, SAS, formação de RH, gestão tripartite e, inclusive, Ministério da Mulher, por exemplo) com a ampliação da Área Técnica de Saúde da Mulher;

 

Na recomposição do Ministério da Saúde pensar em um espaço dentro do órgão de instância que trate das politicas estratégicas para equidade e participação popular para inclusão dos povos do campo, das águas e das florestas, povo negro, população de rua, migrantes e ciganos entre outros;

 

No que diz respeito ao direito aos direitos reprodutivos e direitos sexuais no que tange ao aborto legal, que haja a incorporação do mifepristone no SUS e a regulamentação do Misoprostol dentro da rede de saúde para além do uso atual na rede hospitalar;

 

Restauração da Política Nacional de Saúde das Mulheres em seus princípios de integralidade e com prioridade para a justiça reprodutiva;

 

Retomada da política de prevenção e atenção às ISTs e AIDS;

 

Retomada da efetivação da RAPS – Rede de Atenção Psicossocial dentro de uma perspectiva antimanicomial;

 

Implementação efetiva com os recursos financeiros e humanos necessários conforme está previsto na lei da Política nacional de saúde indígena;

 

Promoção e fortalecimento das práticas integrativas e comunitárias de saúde – PICs.

 

Por fim, para garantir e coordenar esta política de Estado e o processo de integração de todos os serviços públicos, torna-se imprescindível a criação do Ministério das Mulheres, que terá a missão de fomentar a criação de Secretarias Estaduais e Municipais e elaborar, com participação popular, as políticas públicas garantidoras dos direitos das Mulheres, promotoras da paridade de gênero, raça e orientação sexual e incorporadora das Mulheres no protagonismo de sua jornada de vida.

 

SEGUIMOS ATENTAS E NA LUTA PARA TRANSFORMAR O MUNDO PELO FEMINISMO.

 

Brasil, 29 de Novembro de 2022.

Assinam:

AMB – Articulação de Mulheres Brasileiras

ANMIGA – Articulação Nacional de Mulheres Indígenas Guerreiras pela Ancestralidade Auto-Organização de Mulheres Negras de Sergipe Rejane Maria

CEDENPA – Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará

CONAQ – Coordenação Nacional de Articulação das comunidades Quilombolas CONTAG – Confederação Nacional das Trabalhadoras Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares

CUT – Central Única de Trabalhadoras e Trabalhadores

FENATRAD – Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas LBL – Liga Brasileira de Lésbicas

Marcha de Mulheres Negras de SP

MMC – Movimento de Mulheres Camponesas

MMM – Marcha Mundial das Mulheres

MIQCB/PA- Movimento Interestadual de Quebradeiras de Côco Babaçu/Regional PA Rede de Mulheres Negras de Pernambuco

Rede Fulanas NAB – Negras da Amazônia Brasileira

Rede de Mulheres Negras para Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional – RedeSAN

RENFA – Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas.

 

Imagem de Mariana Leal/ASCOM